quarta-feira, 10 de agosto de 2016

RECORDANDO AQUELE TEMPO

Transcrevemos do Livro, da escritora Lina Vedes, cujo título colocamos em roda~pé
Histórias dos anos 40 contadas na 1ª pessoa.

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     Ainda há poucos anos, à volta do coreto, homens de outros tempos, engraxadores e retratistas “á la minuta”, desenvolviam as suas actividades.
     Recordo com saudade os engraxadores, à volta do coreto, disputando entre si os fregueses, com a sua caixa da graxa, de madeira, abrindo lateralmente, com o pé alto, contendo as tintas, as pomadas, as escovas, os panos de dar lustro, as talas para protegerem as peúgas dos clientes.
     Trabalho modesto, independente, de pouca aplicação de capital e que permitia um bom contacto com o público.
     Lembro-me do “Marrequinho” com a sua corcunda e permanente má disposição, do ”Cow-boy” amantíssimo da “pinga”, do “Mestre Zé Cuco” que punha tanto empenho no trabalho que comparava o brilho dos sapatos por ele engraxados com o dos espelhos da Casa Nobre e que estabeleceu o seu horário de trabalho cumprindo-o tão rigorosamente que deixava o freguês com um sapato por engraxar ao bater do meio-dia, dizendo:
     -Volte às duas horas.
     No local operavam ainda, na nobre missão do brilho do sapato, o “Zé Fitas”, a “27”, o “Pinau”, o “Menino António”, o “Velhote Macário”, o “Ti Macoi”, a “Gastaldo”, o “Maçarico”, o ‘Rato”, o “Américo”, o “Alvor”...
     Cada engraxadela custava uma coroa (5 tostões, 50 centavos), o mesmo preço do café e do jornal e os Sábados e Domingos eram dias de trabalho intenso.
     Todos eles tinham orgulho na sua profissão, engraxando meio mundo, submissos mas vaidosos dos clientes ilustres que continuavam com eles ao longo de gerações.
     Os sapatos ficavam a luzir e se alguma mancha, impertinente, permanecia estragando o seu brio profissional, uma boa “cuspidela” seguida de uma fricção, dada com “genica”, à custa de esforço, punha o sapato num brinquinho, o cliente satisfeito e ele, engraxador, vaidoso da obra desempenhada.

     Também fizeram história, no mesmo sitio, os retratistas “à la minuta”, com o tripé que suportava uma caixa, com um pano preto a tapar a parte posterior evitando a entrada da luz, e a objectiva, na dianteira.
    
     Era uma caixa mágica que nos reproduzia as caras!
     O fotógrafo/artista metia a cabeça no pano preto, espreitava, corrigia a nossa posição, espreitava de novo, pegava num interruptor, retirava a cabeça e, olhando para nós, recomendava:
     - Não se mexa! Atenção!… OLHA O PASSARINHO!!!!!!!!!!!!!!!!!!
     Tirada a fotografia, colocava a cartolina branca com as pessoas brancas de cor preta, “de pernas para o ar”, em frente da câmara, voltando a dar o “clik” com o interruptor.
    Mergulhava a foto numa pequena tina contendo um líquido, durante algum tempo. Retirava-a, olhava para verificar se estava perfeita e estendia-a numa corda, presa com uma mola de roupa.
     Os últimos retratistas que me recordo, os irmãos Seita, tinham um cavalo de madeira e/ou papelão, para alindarem as fotografias infantis, montando a criançada ou colocando-os de pé junto do brinquedo.
     A caixa/máquina/fotográfica era decorada, lateralmente, com retratos já realizados, que serviam de modelo e prova de eficiência.
     Tudo era feito no momento, do positivo a fazer negativo, com arte, saber e desejo de bem servir.
     Tratando da sua história de vida os carroceiros e os moços de fretes permaneciam ali nas redondezas, aguardando trabalho.
     Os moços de fretes autorizados, cirandando no Largo das camionetas, no café Coelho e no Madeira, tinham um boné com uma chapa numerada na copa e alguns, uma carreta para carregarem as malas dos imensos caixeiros-viajantes que chegavam a Faro com muita frequência,
     Os ganhos eram fracos e o facto levava-os a perseguirem os passageiros para que lhes entregassem as bagagens. Assisti, uma vez, a um moço ser levado para a esquadra por um polícia, por ter assustado uma senhora ao querer levar-lhe, à força, uma pequena sacola.
     Ainda recordo muitos desses moços de fretes, o “Pirilau”, o “Má-língua”, o “Macaco”, o “Rato-chino”, o “Menino Chico”.
     Vejo, ainda, o Menino Chico correndo pela rua a transbordar de felicidade porque, finalmente, lhe tinham atribuído o boné de trabalho!
     Lembro-me de um, que morreu novo, que assobiava magistralmente, deleitando-nos nas noites de Verão, quando toda a rua convivia à porta das casas.
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IN FARO retratos “à la minuta” – LINA VEDES 

Nota: Pesquisa de Roger publicada com autorização da autora.