terça-feira, 26 de abril de 2011


VISÃO!

A mulher e a menina estão cobertas por uma manta e dormem a sesta na mesma cama.
O homem, no limiar da porta do quarto, olha-as, como se as visse pela primeira vez.
É tão grande a parecença entre elas que o homem sente-se excluído, habitante de um país diferente de­las. Elas que estão num mesmo ovo: branco.
O mesmo cabelo ondulado e a mesma fronte: “quando a menina crescer, terá as mesmas rugas da mãe”, pensa.
O homem tenta lembrar-se da cor dos olhos de ambas, mas resulta-lhe impossível. Vê uma só cor, indiferenciada, que coloca sobre a almofada, como numa paleta, e sabe que não é esse o azul de que estava à procura.
Os dedos longos da menina são uma antecipação dos dedos da mulher. E, agora que as mãos estão adormecidas, o homem não se lembra do que é que a mulher faz com essas mãos, como as move, como as pousa sobre a mesa, como utilizam o garfo e a faca. Sobretudo, o homem não se lembra do que essas mãos fazem sobre ele, e sente um repentino vazio no seu corpo: a sua sensibilidade esvaziada.
Volta às mãos da menina e pergunta-se pelo co­nhecimento que a menina recebe delas, como será o tacto da menina, o que pode sentir com as suas mãos.
Se a visão não se agudizar com o tempo, nem o ouvido, nem o olfacto ... nem o tacto, sim, amplia-se o armazém onde guarda as sensações que estes ór­gãos nos proporcionam.
O homem pensa que gostaria de ter a chave do armazém onde a menina guarda as recordações das suas mãos.
A mulher e a menina dormem aprazivel­mente e o homem pensa nos sonhos de am­bas.
A mulher rodeia a menina com um braço e o homem pergunta-se se a proximidade deste lado o será também do outro, do lado do sonho, ou se será distância.
O homem gostaria de que a mulher e a menina continuassem abraçadas no lado dos sonhos, mas como o pedir? Nem sequer sabe se a mulher estará presente no sonho da menina. Quanto ao sonho da mãe... , talvez a mulher habite em sonhos esse espaço do qual lhe fala, ausen­te deste lado, tantas vezes.
A possibilidade de que talvez ele esteja presente em a1gum desses sonhos e a impossibilidade de o sa­ber perturbam o homem, até ao ponto de sentir um desejo infinito de as acordar. A inveja fá-lo tremer.
É então que sente esse cheiro que lhe sobe do ventre e do peito, e o calor, que sai dele, nas suas cos­tas.
o homem dá a volta e avança pelo cor­redor, procurando. Cruza o salão da casa e assoma-se à janela.
Os salmos, da igreja, do outro lado do rio ressoam ao longe e elevam-se pelo ar, mal roçando esse banho intranquilo da húmida purificação.
Abre a janela.
E fica olhando e ouvindo a música, esse som encandeado, do chilrear dos pássaros, que se combina com o marulhar da água do rio a correr.
E pensa nelas, na mulher e na menina, uma visão de sensações que guarda no pensamento...

Alfredo Mingau
OBS. Um conto para pôr água na fervura da "crise", dedicado a Brito de Sousa e Jorge Tavares de quem aprecio as suas publicações neste Blog..

9 comentários:

  1. Olá João, Olá Jorge!
    Esta dedicatória Cheira-me a "folar da Páscoa" ou a "Abril" que o Mingau vos oferece.Será? Ou é apenas uma "visão" minha?
    Depois da ausência e logo com dedicatória...
    RC.

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  2. Mano,

    Viva

    Vou ler o texto e depois comentar.

    Dê para que lado der responderei à letra.

    Sem briga. Logicamente.

    Ab.

    JBS

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  3. Boas tardes estimados costeletas,

    É sempre agradável quando somos alvo duma dedicatória, como é o presente texto.
    Se a intenção do autor foi a utilização de metaforismos, desculpar-me-ão a minha ingenuidade, mas não entendi como tal.

    Muito obrigado
    um abraço
    jorge tavares
    costeleta 1950/56

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  4. Caro Mingau
    Um texto como em tempos me comentou JBS que só saem às quatro da manhã,numa noite de insónia, de cigarro nos dedos e de uma inspiração que nos enleva a todos.
    parabens meu caro.
    nota maxima.
    abraço

    Diogo

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  5. GOSTO

    Desta participação democrática.

    Parabens ao mano Roger.

    Ab.
    JBS

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  6. Meus caros Jorge e João
    Não! Não se trata de nenhuma "metáfora".
    A leitura também se faz agradecendo; tenho lido os vossos textos e gosto.
    Só não percebo os "parabéns" ao mano Roger...
    A. Mingau

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  7. CARO ALFREDO,

    Obrigado por me citares e dizeres que me lês.

    Quanto aos parabens ao mano Roger, endereçados por mim, tem a ver com a pluralidade de ideias que foram publicadas nestes comentários, com educação e immparcialidade, dando força e dinâmica a este espaço.Foi isso o que sempre defendi.

    O Diogo gostou muito do texto, outros nem tanto e eu não o li.

    Foi por esta amostragem que me foi dado observar e que nunca tinha visto aqui que enderecei os parabens ao mano, porque ele está a conseguir a unidade costeleta.

    Houve periodos melhores e piores mas o Rogério aguentou o barco. É minha opinião que o blogue está de pé graças a ele.E nunca foi macio nem se ajoelhou.

    Esta postura nem sempre foi conseguida mas nestes comentários isso viu-se.

    Já agora dizer que não li o texto porque o primeiro comentário do mano me influenciou.

    E não devia.

    Ab

    JBS

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  8. Carissímos:
    Este espargir de águas bentas ,na fervura da "crise", como bem diz o Alfredo Mingau, provocou como bem se vê um clima de grande paz e harmonia.
    Sente-se nas palavras a doçura ainda remanescente do folar e das amêndoas da Páscoa.
    Gde abraço para todos.
    JEM

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