Aqui vai o segundo artigo sobre "Costeletas e Bifes",que saiu no Jornal "O Olhanense" em Janeiro de 2012, referência que agradeço adicionam ao texto quando for publicado no Blog. Costeletais Saudações. Norberto Cunha.-
DOIS DEDOS DE PROSA
Por Norberto Cunha
Por Norberto Cunha
“COSTELETAS”
e “BIFES”
— II Emulação e Empatia
— II Emulação e Empatia
Como
ficou dito no artigo precedente, a população estudantil de Faro provinha de
dois grupos sócio-culturalmente diversos, embora economicamente próximos. Muito
mais do que as condicionantes de natureza material, eram os pressupostos de
ordem ideológica que presidiam às opções educativas de um e outro. Estudar no
liceu, além de prometer mais altos voos a quem o fazia, era, conforme a
tradição, também “mais fino”. Em contrapartida, estudar na escola garantia de
modo mais eficaz e em prazo menor, a profissionalização e autonomia económica
dos que seguiam essa opção. Assim, vangloriavam-se
os “bifes”, duma escolaridade que, em princípio, os guindaria ao exercício duma
profissão liberal ou a cargos de direcção nas empresas e na administração
pública. No entanto, mais de metade ficava pelo caminho. Os que não iam além do
5º ano (segundo ciclo) confrontavam-se com um
mercado de trabalho onde não abundava oferta condizente com tais habilitações.
Aos restantes, àqueles que concluíam o 7º ano mas não tinham meios para ingressar na universidade, deparava-se
situação semelhante. Saíam porém com a
satisfação decorrente duma mais dilatada vivência das praxes e ritos académicos, da solenidade da capa e
batina, do romantismo de devaneios e anseios
adolescentes induzidos, em parte, pelos ecos do viver mais ou menos boémio e
liberal da academia coimbrã, guitarras e fado incluídos. Mas fosse como fosse, todos estes frequentavam um
ensino com tradição secular,
reputado de mais complexo e exigente, com propinas de custo mais elevado que as
do ensino técnico e tinham-se saido bem nas respectivas provas de admissão cujo
grau de dificuldade, segundo se dizia com verdade ou sem ela, sobrelevava o das
suas congéneres da escola. Em tais particularismos assentava o sentimento de
superioridade que muitos nutriam relativamente aos seus pares “costeletas”, conquanto
nem sempre tal sentimento transparecesse ou, transparecendo, raramente roçasse
a sobranceria. Do
outro lado, desprezando o canto de sereia do “mais fino”, a visão mais realista
da vida por parte das famílias que pesavam com objectividade as potencialidades
dos dois sistemas de ensino, era o que conduzia ao ingresso na escola dos
futuros “costeletas”. E se à partida, para alguns destes, poucos, aceitar tal
destino era um acto de resignação, passado pouco tempo, e como os demais, já lhe
reconheciam as vantagens e delas se orgulhavam. Obtinham uma formação que, ao contrário
da do liceu, aliava teoria e prática, assegurava a especialização num ofício ou
proporcionava um diversificado conjunto de saberes e aptidões que os tornava
candidatos preferenciais num primeiro emprego, e profissionais qualificados com
possibilidade de superior sucesso numa carreira nas empresas dos sectores
secundário e terciário, ou na função pública. Além disso, e ainda que fosse
mais estreito o leque das opções subsequentes, os cursos técnicos eram ainda um
patamar para o prosseguimento de estudos através de cursos médios, magistério
primário, institutos comercial e industrial, e estes últimos também facultavam
o acesso à universidade.
Conscientes das especificidades
do sistema em que se integravam, “costeletas “ e “bifes” valorizam as que lhes tocavam,
mas raramente as invocavam como forma de afirmação pessoal. Era nos eventos de
carácter social, em particular nos confrontos desportivos, onde essa
consciência melhor se expressava como factor de auto-estima e de coesão
colectiva. Fatia maior desses confrontos cabia ao futebol, que concitava larga
afluência de estudantes de ambos os lados e sexos. Aí se digladiavam as
respectivas claques, cada uma tentando abafar a outra com os seus “gritos de
guerra”.“F, r e a: Fra; F,r e e:, (etc.); Fra, Fre, Fri, Fro, Fru,
charabitátátá (bis) Hurra! Hurra!” Gritavam os “bifes”. “Alabi, Alabá; Alabi, Bumbá! Escola! Escola!
Escola! Hurra! Hurra!” Ripostavam os “costeletas”.
Todavia, para os jogadores, a presença das “miúdas” constituía
o maior estímulo.
Que
se saiba, também do historial desses encontros não há registo. Porém, atendendo
ao significativo número de “costeletas” que neles participaram e vieram a
representar os dois clubes rivais do Sotavento e ainda o antigo Sport Lisboa e
Faro, presume-se que a equipa detentora do melhor palmarés terá sido a da
escola. Entre outros que nela se distinguiram, lembramos: Barão, Fausto Xavier,
José Gonçalves, Júlio, Rogério Soromenho, Ribeirinho, José Palminha, os irmãos
Zambujal, Filipe Vieira, Manuel Dias, Zeca Bastos (Faro); Poeira, Parra,
Eduardo Pires, Nuno, Agostinho, Vítor Caronho (Olhão). Já quanto aos despiques no campo
amoroso, a história terá sido outra. Se bem que, perante o assédio dos “bifes” às
moças da escola, os “costeletas” viessem a responder na mesma moeda, ao que
parece, de tal disputa não resultaram vencidos nem vencedores. Ao longo do
tempo, vários “bifes” casaram com “costeletas”, mas não faltaram também os
“costeletas” que casaram com alunas do liceu. Aliás, a emulação entre os dois
grupos nunca impediu que entre os seus componentes surgissem grandes e
duradouras amizades. Todos eram estudantes, jovens, portadores de sonhos e de
esperança e que, por diferentes vias, perseguiam um mesmo desiderato: a realização
pessoal. E de ambos os lados, o sentimento de pertença a um grupo que reunia jovens
oriundos de quase todo o Algarve, era uma fonte de socialização que fomentando
o sentido de participação e do dever de fidelidade ao mesmo, os preparava para
as responsabilidades da idade adulta.
Prosseguindo estudos e/ou ingressando no mundo do
trabalho, grande parte de uns e outros se dispersou pelo país e alguns pelo
estrangeiro. Na sua maioria bem sucedidos na vida, alguns alcançaram a
notoriedade, designadamente nos domínios do empreendedorismo empresarial, da
cultura e da política. E não são poucos os que lembram esse passado de
“bifes”/”costeletas” como momento primeiro mas determinante do sucesso maior ou
menor das suas carreiras. Entre os primeiros, há os que de tempos a tempos se
reúnem para confraternizar ou a propósito duma celebração. Os segundos fundaram
em 02/04/91 a “Associação dos Antigos Alunos da Escola Tomás Cabreira”, que
conta com cerca de 600 associados, desenvolve assinalável actividade social
(almoços bianuais, comemorações, festas, etc.) publica “O Costeleta”, um
pequeno jornal que “sai quando sai” mas já atingiu a bonita soma de 109 edições,
e participa na blogosfera com um blog (temporariamente suspenso) que tem dois
“bifes” entre os seus colaboradores.
Assim se comprova que aquela recíproca e subconsciente ponta de inveja que
atravessava o relacionamento entre “bifes e costeletas” (da qual no entanto só
os mais atentos se davam conta) era, afinal, manifestação primária da grande
empatia existente entre uns e outros, mas que sob o véu
da competitividade se escondia.
da competitividade se escondia.
ResponderEliminarMeu caro Norberto.
Os nossos agradecimentos por este II texto.Esperamos mais. E esperamos que a publicação tenha ficado bem, porque,a transferência directa do texto recebido saia sempre mal. Cerca de meia hora para conseguirmos colocar como está e, mesmo assim, com algumas deficiências de parágrafos de que pedimos desculpa.
Um abraço Costeleta
Da redacção.
ResponderEliminarMeu caro amigo Gostei do texto. O que lhe contei acerca de "Bifes e Costeletas" era o que, na altura de aluno na Tomás Cabreira,se ouvia contar.Aprofundar a essência destes dois termos teria que ser feita uma pesquisa para encontrar os autores do seu lançamento. Eu não fui. Um abraço Rogerio