UM «OPERÁRIO» DA CULTURA
Era um dos meus mais generosos, dedicados e cultos amigos. Com a sua
bata cinzenta e a boina basca havia sempre um afectuoso cumprimento: -
Amigo Simões, como vai? E ele lá vinha com a sua intrínseca ironia
queiroziana: - Sr. Presidente (nunca percebi esta invocação!) como passa?
Volvido meio século é o Simões que então chegou a Faro e se dedicou à vida
comercial. Não esta é dos livros que o notabilizou mas na promoção de
estantes metálicas, após o que se dedicou a um dos grandes amores da sua
vida - os livros.
Carlos Neves Simões, que durante mais de duas décadas foi o único
alfarrabista desta cidade capital sulina, deixou-nos aos 79 anos de idade.
Nascera em Covas, no concelho de Oliveira do Hospital, com a mãe a morrer a
quando de o dar à vida. Mau princípio para quem continuaria na infância e na
adolescência a viver nas instituições / internatos da benquista Fundação
Bissaya Barreto em Coimbra. O culto dos livros levava-o á temerosa aventura
de, quando era dado o aviso de silêncio, uma lanterna eléctrica, debaixo dos
lençóis, o levava a devorar as obras que obtinha.
Foi toda a vida um árduo operário, daqueles que enfrentam as
dificuldades, sem temor e a ir buscar, se necessário fosse, de carro de mão, o
espólio literário a quem dele se desfazia. Durante mais de 20 anos, em locais
vários, inclusive a «banca da Pontinha», ele foi o obreiro de uma acção em prol
da cultura e do saber como nenhuma outra houve.
Que extraordinária ajuda deu o «Sr. Simões» a estudantes
universitários, a profissionais qualificados, a gente que queria saber mais do
Algarve e sobre o Algarve?
Que gesto único foi esse que quando a Justiça o obrigou a deixar a
sua «Livraria Simões», ali na Rua do Alportel, onde se encontrava sempre o
livro incessantemente procurado, distribuiu em total gratitude dezenas de
milhares de livros «à borla»!
Chamavam-no «louco» quando há mais de 40 anos, após o trabalho,
vinha, de fita na cabeça, fazer pedestrianismo, nas ruas desta cidade que tão
sua era.
Em vida recebia (escasso pecúlio para quem tanto deu de si!) a
Medalha de Mérito Cultural (Grau Prata) da Câmara Municipal de Faro e do
Reconhecimento a quando dos 50 anos da Associação de Atletismo do
Algarve.
Morreu o alfarrabista Carlos Neves Simões, um amigo de peito e um
homem que durante anos e anos serviu a Cultura Algarvia. A nossa saudade e
a nossa homenagem!
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