terça-feira, 20 de dezembro de 2022

CRÓNICA DE FARO JOÃO LEAL


UM «OPERÁRIO» DA CULTURA


Era um dos meus mais generosos, dedicados e cultos amigos. Com a sua

bata cinzenta e a boina basca havia sempre um afectuoso cumprimento: -

Amigo Simões, como vai? E ele lá vinha com a sua intrínseca ironia

queiroziana: - Sr. Presidente (nunca percebi esta invocação!) como passa?

Volvido meio século é o Simões que então chegou a Faro e se dedicou à vida

comercial. Não esta é dos livros que o notabilizou mas na promoção de

estantes metálicas, após o que se dedicou a um dos grandes amores da sua

vida - os livros.

Carlos Neves Simões, que durante mais de duas décadas foi o único

alfarrabista desta cidade capital sulina, deixou-nos aos 79 anos de idade.

Nascera em Covas, no concelho de Oliveira do Hospital, com a mãe a morrer a

quando de o dar à vida. Mau princípio para quem continuaria na infância e na

adolescência a viver nas instituições / internatos da benquista Fundação

Bissaya Barreto em Coimbra. O culto dos livros levava-o á temerosa aventura

de, quando era dado o aviso de silêncio, uma lanterna eléctrica, debaixo dos

lençóis, o levava a devorar as obras que obtinha.

Foi toda a vida um árduo operário, daqueles que enfrentam as

dificuldades, sem temor e a ir buscar, se necessário fosse, de carro de mão, o

espólio literário a quem dele se desfazia. Durante mais de 20 anos, em locais

vários, inclusive a «banca da Pontinha», ele foi o obreiro de uma acção em prol

da cultura e do saber como nenhuma outra houve.

Que extraordinária ajuda deu o «Sr. Simões» a estudantes

universitários, a profissionais qualificados, a gente que queria saber mais do

Algarve e sobre o Algarve?

Que gesto único foi esse que quando a Justiça o obrigou a deixar a

sua «Livraria Simões», ali na Rua do Alportel, onde se encontrava sempre o

livro incessantemente procurado, distribuiu em total gratitude dezenas de

milhares de livros «à borla»!

Chamavam-no «louco» quando há mais de 40 anos, após o trabalho,

vinha, de fita na cabeça, fazer pedestrianismo, nas ruas desta cidade que tão

sua era.

Em vida recebia (escasso pecúlio para quem tanto deu de si!) a

Medalha de Mérito Cultural (Grau Prata) da Câmara Municipal de Faro e do

Reconhecimento a quando dos 50 anos da Associação de Atletismo do

Algarve.


Morreu o alfarrabista Carlos Neves Simões, um amigo de peito e um

homem que durante anos e anos serviu a Cultura Algarvia. A nossa saudade e

a nossa homenagem!

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