sexta-feira, 12 de novembro de 2010

RECORDANDO A NOSSA CIDADE

Alfredo Mingau

Preambulo

Já estavam admirados com a minha ausência? Aqui vai a resposta ao NÃO ME ABANDONEM do JB
De facto ausentei-me durante estas duas semanas; há quem se ausente muito mais e outros, sem motivo aparente, ainda não regressaram. E o meu pensamento, de certo modo, concentrou-se na recordação da nossa cidade, em que muitos aqui nasceram e muitos outros aqui viveram ou por aqui passaram durante os seus estudos na Tomás Cabreira. Focando, como pretendo recordar pessoas e locais, a vivência durante os anos quarenta, veio-me à memória a diferença daquele para o tempo de agora. Todos saíam à noite, sem receios, em contraste com os dias de hoje que poucos são os que se aventuram a sair de casa durante a noite. E o meu pensamento reportou-se naquela crónica do Maurício em que, numa daquelas noites, desfrutando o prazer do convívio no Jardim Manuel Bívar, foi ajudar o Paulo Emílio a recuperar o “charuto” que tinha sido furtado. E escrevi esta crónica que espero seja do vosso agrado e vos recorde “qualquer coisa” no cantinho do vosso memorial e os faça alertar para o pedido NÃO ME ABANDONEM.

Memorial do Jardim e enquadramento

Naquele tempo o Jardim Manuel Bívar também era vulgarmente chamado do “Jardim da Doca”. E à noite era um jardim cheio de vida, com muita gente, desde as crianças, dos jovens aos adultos, que procuravam o convívio agradável passeando. E os mais pequenos brincando. Principalmente as meninas que formando dois grupos cantavam “Fui ao Jardim da Celeste” giroflé giroflá” e o outro respondia “O que foste lá fazer” “giroflé giroflá”…
À noite era a hora do lazer, depois do jantar, em que toda a cidade enchia o jardim, por vezes aos encontrões, passeando entre o coreto e o monumento do busto de João de Deus. E as bandas tocavam no coreto. As senhoras sentavam-se nos bancos em amena conversa, enquanto os maridos tomavam a “bica” com os amigos no café ou na esplanada do Aliança.
De dia, junto do Coreto, viam-se os engraxadores com as suas caixas e o banquinho a dar lustro aos sapatos dos clientes principalmente ao Domingo de manhã. Cada engraxadela 5 tostões o mesmo preço da “bica”. E ali viam-se o “Marrequinho”, o “Mestre Cuco” o “Zé Fitas”, o “Pinau”, o “Rato”, entre outros, disputavam os clientes como sendo o melhor da profissão. “Umas talas para não pintarem as peúgas do cliente e uma boa cuspidela seguida de uma vigorosa fricção apagavam qualquer mancha impertinente”. “Mestre Cuco” trabalhava com horário de trabalho; cumpria rigorosamente e ao soar o meio-dia deixava o freguês com um sapato engraxado e dizia:
- Volte às duas horas.
O jardineiro que cuidava do jardim era o “Zé Nabo”, que punha um grande cuidado no arranjo dos canteiros e que só regressava a casa para dormir.
Junto do coreto também se fixavam os retratistas. Fotógrafos “A la minuta”, com a caixa mágica sobre um tripé. Os irmãos “Seita”.
No enquadramento do jardim ficava o hospital, a “Praça Velha”, a doca e a Praça Ferreira de Almeida
Nesta praça, mais conhecida pelo “largo das camionetas”, em que estes transportes de passageiros estacionavam junto dos cafés “Coelho” e “Madeira”, também se viam os carroceiros, aguadeiros e moços de fretes. Dos “moços de fretes” recordamos o “Pirilau” o “Má Língua”, o “Macaco”, o “Rato Chino”, o “Menino Chico”, o “Arpanço” e outros.
Junto do “coreto” e circulando pela cidade, podíamos ver o preto cauteleiro o “Ti Pedro”, com o “sonho” de muita gente.
O “Toninho”, vestindo um casaco “maior do que ele” e sapatos enormes, desembarcava da camioneta de Cachopo carregado com coelhos, lebres e perdizes e que gritava “Ó caça brava!”.
Os “limpa chaminés”. de preto vestidos, carregando com as vassouras e raspadores, apareciam quando chamados.
Junto ao jardim, a seguir ao busto de João de Deus ficava a “Praça Velha”; o mercado com tendas ao ar livre; vendedores da “Banha de Cobra”, com curas para tudo; um barracão de frutas, legumes e talhos; logo a seguir, saindo do barracão, a central eléctrica, a Alfandega e o Mercado do peixe.
Junto a doca, onde hoje está o Hotel Eva, um terreno baldio onde os carreiros estacionavam os seus carros puxados, geralmente por mulas, aguardavam os clientes para o transporte de e para as barcaças com palma vinda de Marrocos; amêndoa, alfarroba e cortiça de origem Algarvia.
E, passando o Arco da Vila entravamos e subiamos a Rua do Município onde, a meio da rua e do lado esquerdo, se encontrava a Escola Industrial e Comercial de Tomás Cabreira, onde presentemente está instalada a Policia Judiciária.

PS - Com alguma pesquisa incorporada, foram os anos da década de 40.
        E satisfazendo o poema do JBS - NÃO ME ABANDONEM.








O VELHO E A GAIVOTA (fim)



Por João Brito Sousa


E foi-se embora.

Depois da saída do velho eu e o Dr. Guedes ficámos a conversar no jardim, sentados num banco, que entretanto ficava vago. Tentamos conhecer-nos melhor um ao outro, falando de tudo e sem rodeios o que foi óptimo. O Guedes falou de casos que se passaram na repartição, coisas complicadas e difíceis de resolver, daquelas situações que tornam a humanidade infeliz. Foi nesta altura que o Guedes perguntou: - o velho será feliz?

- Eu acho que a questão do velho não será de felicidade ou infelicidade, o problema é mais de falta de coerência, ele falhou em qualquer aspecto da sua conduta pessoal, deverá ser uma questão com uma certa força que o afectou sobremaneira. O velho é rijo e forte, não se deixa abater assim à primeira, é mais uma questão em que ele se sente culpado, eu estou a ver a coisa mas talvez não a saiba explicar, é uma questão de honra que está em jogo o que gera no velho um pouco de angústia, porque se trata, penso eu, de uma situação quase irreparável.

- Mas ó Ismael, você está a ver longe. O que é que o leva a dizer tal, perguntou o Dr. Guedes.

- Nada de especial, é uma certa forma de ver, de excluir hipóteses sem hipóteses, veja bem, se houvesse ainda a possibilidade de o hipotético problema se resolver seria resolvido e pronto. Mas a mim parece-me uma coisa fora de tempo e fora das possibilidades de solução imediata. Portanto o meu raciocínio vai cair dentro do campo do impossível, por exemplo uma grande ofensa que se fez a alguém que entretanto morreu é uma coisa que não se pode recuperar e causa-nos problemas de consciência. É uma coisa assim, disse eu.

-Ah, sim, entendo, disse o Guedes.

- È claro que isto é uma espécie de um passatempo, nada mais do que isso, disse eu. Mas amanhã, saberemos, disse eu.

- Talvez disse o Guedes.

E despedimo-nos com um até amanhã aqui, às 16 horas.

- Está bem, disse eu.

- Ok, disse o Guedes

Não pensei mais no assunto até à hora do almoço do dia seguinte, sábado, portanto. A vida sem grandes confusões vive-se melhor e tinha chegado à conclusão que não teria uma resposta para o problema do velho. Mas à hora do almoço desse sábado algo dentro de mim me alertou para qualquer coisa.

Às dezasseis horas lá estávamos todos no jardim; eu, o Guedes, o velho e a gaivota. O velho ao ver-nos, veio em nossa direcção e entregou-nos um envelope que estava aberto com um documento lá dentro e disse-nos para o lermos.

E dizia, meu General, já recebi a tua prenda de anos, mas, como em todos os anos, não foi a que eu desejava. Se me tivesses perguntado, ter-te-ia dito: BRINCA COMIGO AVÔ.

O velho voltou até nós, depois de se aperceber que tínhamos lido o documento que estava dentro do envelope e disse.

- Foi o que eu nunca fiz e é esse o meu grande problema. Perceberam?

E nós não respondemos.

 
jbritosousa@sapo.pt
O que a história nos reservou!

De bom ou de mau. Cabe-nos a nós interpretar e quiçá julgar.




1 – Ao longo dos séculos foram várias as tentativas falhadas para constituir a União Ibérica. A criação do Estado português, no séc. XII, tem motivações diversas e eventualmente acidentais. A independência surgiu contra o reino de Leão e fortificou-se na luta com Castela. O tratado de Alcanizes foi o primeiro passo da separação.

Uma geografia montanhosa e agreste, por um lado, e o Oceano Atlântico, por outro, podem justificar a criação geográfica do Estado. Uma economia frágil determinou a expansão ultramarina. Tudo isto nos divorciou da Europa e nos afastou da Espanha. Portugal não era uma nação. Nem disso tinha consciência. Portugal era um conjunto de tribos celtiberas, de visigodos, de romanos e judeus, a que se viriam a juntar, mais tarde, os mouros. Foi claramente por razões de poder entre senhores feudais e de intriga entre as Cortes de Leão e do Condado Portucalense (com a Galiza de permeio) que acaba por surgir Portugal. Tudo o que depois se disse sobre Viriato e os Lusitanos não passa de mistificação setecentista para consolidar uma identidade nacional permanentemente dividida entre Portugal e Castela.

2 – Desde os primeiros reinados portugueses houve sempre a preocupação de fazer contratos nupciais entre Portugal e os reinos de Leão, Aragão e Castela. Os casamentos cruzados começam logo na primeira dinastia e mantêm-se com a dinastia de Avis. Estes casamentos visavam garantir a paz, mas também colocavam questões de sucessão nos reinos envolvidos.
Se exceptuarmos as tentativas de reconquista militar ainda na primeira dinastia, podemos dizer que o Estado português se estabilizou a partir D. Dinis (1261-1325)) e que a partir daí todas as tentativas de “fusão” se devem a questões dinásticas, motivadas pelos referidos casamentos cruzados.

3 – Curioso é notar que com a dinastia de Avis (2ª dinastia) se começa por consolidar a independência (D. João I – 1385), para logo a seguir se tentar a “fusão”, até se perder a independência, após a morte de D. Sebastião. Tudo nesta dinastia. Ora vejamos:

- D. João I – Na sequência da morte do rei D. Fernando, sem herdeiros, a regência foi entregue à mulher, Leonor de Teles. As ambições desta e as inimizades que motivou, mais a sua ligação ao conde galego João Fernandes Andeiro, conspirando para entregar o reino ao rei de Castela (tambem. de seu nome João), criaram um movimento nacionalista, para o qual foi fundamental o apoio da burguesia, com o Mestre da Ordem de Avis, D. João, à frente. Deram-se as batalhas de Aljubarrota e Atoleiros e a independência é garantida, com o apoio fundamental dos ingleses. Em 1386 o Tratado de Windsor, o mais velho tratado internacional do mundo, é celebrado, juntamente com o casamento de D. João com Filipa de Leichester (Lencastre). E nunca mais nos vimos livres dos ingleses.

- D. Afonso V – em 1446, com 14 anos, toma conta do governo que já então se tinha estendido ao norte de África (Ceuta), no reinado do pai, D. Duarte. Afonso V é um rei “fora do seu tempo”: um cruzado e um cavaleiro. Depois de tomar várias praças-fortes em Marrocos, dando expressão à sua faceta de “cruzado”, resolve defender a sua dama e envolver-se numa patética luta com Castela que se viria a ser desastrosa, não fora a intervenção do filho.

- D. João II – filho de Afonso V e desde muito novo associado ao governo de Portugal, foi ele que deu alguma sanidade à gestão do pai e foi o responsável pelo planeamento dos Descobrimentos. O “Príncipe Perfeito” tinha um sonho: ser rei do Mundo! Para isso tinha de conseguir a coroa de Castela. As duas potências ibéricas começavam a descobrir outros continentes e outros caminhos marítimos. Alternativas comerciais e expansão de mercados. Se Portugal e Castela se juntassem, esse novo reino seria o “dono do Mundo”. Esta política de fusão foi deliberadamente conduzida por ele e pelos Reis Católicos. Havia esse desejo por parte de ambas as Casa Reais. Em 1490 casa-se Afonso, herdeiro do trono português, com Isabel, herdeira de Castela. Em breve haveria um único rei na Península. Era a época das “fusões”. Castela tinha já incorporado Leão e estava em “operação de aquisição” com Aragão, fruto do casamento de Fernando de Aragão e Isabel de Castela (os Reis Católicos). Em breve, também, os mouros iriam ser totalmente expulsos, com a tomada de Granada, último bastião do Islão na Península. Não quis, porém, o destino. O príncipe Afonso cai do cavalo em Almeirim e morre sem herdeiros. D. João segundo deixa de sonhar com o Mundo todo e força o Tratado de Tordesilhas (1494), para assegurar meio Mundo.

- D. Manuel I – primo de D. João II sobe ao trono e sem saber ler nem escrever herda tudo o que o antecessor tinha planeado. Por isso é o “Venturoso”. De qualquer forma não desiste do objectivo da “fusão” dos tronos. E, novamente, com o acordo dos Reis Católicos, casa com a mesma Isabel viúva do príncipe Afonso, ela que continua a ser a herdeira do trono de Castela e Aragão. Um verdadeiro “déjà-vu”. Com a mulher em adiantado estado de gravidez, vai a Espanha para jurar a sucessão. Chega a jurar o trono de Castela, em Toledo. A sua garantia era a mulher, Isabel. Mais uma vez o destino não quis. A mulher morre de parto ainda em terras de Espanha e D. Manuel não chega a tomar posse de Aragão. Volta para Portugal com o rabo entre as pernas, mas deixa lá uma semente de união: o filho D. Miguel de la Paz, herdeiro jurado dos três tronos. Era a derradeira esperança de união… Mas não! Também este morre com pouco mais de 2 anos de idade.

- D. Sebastião – mais um homem fora do tempo e, aliás, fora de tudo. Neto de D. João III, inicia o reinado em 1568. Deixa-se matar com 24 anos, em Marrocos, na “Batalha dos Três Reis” (nome dado pelos marroquinos, pois morreram dois reis mouros e um português), na sequência de uma loucura cruzadística. Lança o país na maior confusão dinástica. O quadro sucessório era complexo, mas acabaram por triunfar as razões jurídicas puras e duras. A sucessão competia a Filipe de Espanha. Não houve resistência militar à altura e, com a clara complacência, e até vontade, da alta nobreza e clero, o trono passa para o monarca da Casa de Habsburgo. De 1580 a 1640 Portugal foi mais um país governado por essa “holding” europeia de gestão de reinos. Nunca chegou a haver verdadeira fusão. Nunca houve uma identidade conjunta. Apenas uma gestão conjunta. A independência voltaria por detalhes mesquinhos relacionados com a nobreza e impostos necessários ao esforço de guerra espanhol. Nunca mais haveria outra hipótese…

4 – Na actualidade Portugal e a Espanha estão reunidos na EU. Mas a União Ibérica nunca saiu da nossa cabeça. Uns; para se oporem; outros, para a desejarem. Só isso significa que há uma genética comum. Uma nostalgia de separação.
Quase a totalidade de historiadores e autores que se têm dedicado à nossa história são unanimes na permissa de que sempre houve na mente dos nossos reis, de todas as dinastias o sonho da unificação peninsular.
Um abraço
Diogo

ps
Bibliografia: "o dia de aljubarrota" de Luis Rosa
" Cristovão Colombo agente secreto do rei D. João segundo" de Mascarenhas Barreto
" o ultimo bandeirante" de Pedro Pinto
"D. Sebastião e o vidente" de Deana Barroqueiro
"A esmeralda partida" de Fernando de Campos
" O coraçao do Rei ( D. João quarto) de Iza Salles
" a saga do Rei Menino" de Candido Franco
NÃO ME ABANDONEM



Não me ignorem, não me deixem só …
Mandem-me notícias; o meu alimento
Às vezes sinto-me quase reduzido a pó
Por isso vem, vem a qualquer momento


E diz o que pensas sem qualquer receio
Mas tu já sabes o que deves ou não dizer
Porque, além de conheceres bem o meio
No blogue, gostamos sempre de te ver …


Conta a engraçada estória passada contigo
Ou conta a outra passada com o teu amigo
São coisas simples que caem sempre bem


E pensa que eu estou aqui às vezes só
É aborrecido mas resisto, não tenham dó
E peço apenas que não me abandonem…




João Brito Sousa