domingo, 21 de novembro de 2010

OUTROS AUTORES

PARA REFLETIR

Guerra Junqueiro

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento,de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

in Guerra Junqueiro, 1896.

Enviado por Mauricio Domingues

DO CORREIO ELECTRÓNICO


XARÉM

Actualmente faz parte da gastronomia, até em Faro já teve seu festival sobre o Xarém.
Naturalmente que hoje a elaboração é mais cuidada do que em meados do Século XX em que constava em mais de 50 por cento na alimentação das regiões Rurais e dos e classe média baixa e só alguns anos depois as pessoas que até aí consumiam como envergonhadas por ser comida de pobres, falavam que o Dr. Silva Nobre todos os dias comia um Prato de Papas de milho que lhe dava saúde e energia mesmo já avançado em idade.

Existia até aquela anedota do rapaz que foi convidado para ir na casa da namorada e a família para não ficar envergonhada pela apetite do rapaz o fizeram comer antes de sair considerável quantidade de charém.
Ao ser convidado para almoçar respondeu que já tinha comido em casa!
Perguntaram o que comeu assim de bom antes do almoço?
Foi Perdiz respondeu prontamente.
Bom concordaram os pais da namorada , a pinga bem o diz! (tratava-se de um pouco de papa que ao comer tinha caído para a camisa.)

Na Época antes do Inverno as famílias armazenavam em casa produtos alimentares que constava do milho, o trigo, feijão, batata doce, e batata normal da colheita do Outono, o azeite, sal, figo seco, depois tinham o Porco que criavam e consumia uma parte do milho na engorda final e os animais de capoeira para alguns finais de semana e dias especiais, enquanto na horta tinham o repolho e outras verduras que quase eram a totalidade da alimentação que complementavam com o café, açúcar, arroz , massa e pouco mais.

Segundo pesquisas o nome de Charém em árabe representa papas de milho .
Se o milho apareceu depois da descoberta da América quando os árabes já não se encontravam na península, ainda não pesquisei!

O milho geralmente era moído em casa num conjunto de mó com duas pedras semelhante a rodas com cerca de 40 cm. no comprimento, e ambas uma altura aproximada de 12 cm.
A de baixo completamente inteira com um espigão metálico no centro, enquanto a de cima tinha um abertura de cerca de 10 cm no centro e no lado inferior dois cortes laterais de cerca de 3cm, onde era colocada uma peça de madeira com um orifício central que dava para entrar no espigão da roda de baixo evitando que ficassem unidas, permitia que rodasse com o apoio de um pequeno cabo colocado num furo na pedra em cima próximo do lado exterior.
Aí entrava o milho que saía já moído entre ambas as rodas , naturalmente que as rodas tinham de como falavam ser de tempos a tempos picadas, consistia em fazer umas ranhuras equivalente a pequenos dentes que serviam para agarrar os grão e os movimentar enquanto eram esmagados. Aqui interessava que ao esmagar o grão ele não fosse triturado como nos denominados moinhos utilizados para rações de animais em que pelo bater nos grão as peças metálicas os trituram de forma que de acordo com o batimento se consegue uma farinha integral,
Ai o controle do Farelo e farinha sentia-se pela forma como saía que tinha a ver com a quantidade de grãos a ser moídos pela mó, o mesmo princípio dos moinhos de maré, azenhas, de vento ou mecânicos.

Feita a moagem era peneirado para separar o pó do farelo.
A forma de fazer o xarém se baseava na cozedura da farinha com água , na qual tinham de colocar com a mesma ainda fria e ir mexendo para não colar no fundo do Taxo ( panela ) ao iniciar a fervura saíam bolhas de ar que obrigavam a diminuir o calor para evitar o perigo de acidentes, poucos minutos e estava cozido .

Depois o tempero mais usado era de torresmos de toucinho e lingüiça que depois de frita era adicionado e mexido antes de esfriar.

Tinha quem comesse só puro temperado unicamente com sal, como permitia outras misturas de acordo com a imaginação e disponibilidades da cozinheira , quando deitavam berbigão, ameijoa, conquilha etc. a água do marisco evitava que depois de frio ficasse mais sólido, vi colocarem grão de bico e molho de caldeirada de sardinhas.

Aqui no Brasil há vinte anos morei numa cidade pequena com pouco mais de vinte mil habitantes consumia numa semana o equivalente ao consumo de Portugal durante um ano ! á Farinha de milho em pó chamam fubá e ao charén angu.
Aqui para nós detesto milho seja de que forma for mesmo verde , não como há mais de 60 anos e desconfio dos pratos Baianos com aqueles nomes estranhos que numa vez quase me serviram no Rio de Janeiro uma espécie de refeição quase semelhante ao serrabulho Minhoto.

De qualquer forma Bom Proveito

Saudações Costeletas
António Encarnação

OUTROS AUTORES

FAMILIA

Jorge Amado
...
Foi o Boa-Vida que contou a Pedro Bala que naquela casa da Graça tinha coisa de ouro de fazer medo. O dono da casa, pelo jeito, parecia colecionador, o Boa-Vida tinha ouvido um malandro dizer que na casa havia uma sala entupida de objetos de ouro e prata que no prego haviam de dar uma fortuna. À tarde Pedro Bala foi com o Boa-Vida ver a casa. Era um prédio moderno e elegante, jardim na frente, garagem ao fundo; espaçosa residência de gente rica. O Boa-Vida cuspiu por entre os dentes, desenhando uma flor no passeio com o cuspe, e disse:
- E dizer que nesse mundo só mora dois velhos, hein?
- Toca batuta ... - comentou Pedro Bala.
Uma empregada abriu a porta da frente, saiu para o jardim. No hall, que ficou à vista, eles perceberam quadros pela parede, estatuetas sobre as mesas. Pedro Bala riu:
- Se o Professor visse isso ficava doidinho ... Nunca vi tanto pegadio com livro e pintura.
- Ele vai fazer uma pintura como eu, deste tamanho ... - e Boa-Vida mostrava o tamanho separando as mãos uma da outra.
te, pois ela estava curvada. Pedro Bala espiou. Eram seios alvos terminando em bicos vermelhos. Boa-Vida suspirou ao seu lado.
- Que montanha, Bala.
- Cala a boca.
Mas a empregada já os vira e os olhava como a perguntar o que desejavam. Pedro Bala sacou o boné e pediu:
- Podia dar uma caneca de água à gente, por favor? O sol tá encalistrando ... - e sorria, limpando com o boné a testa, onde o suor corria. Estava muito vermelho sob o sol, seus cabelos loiros crescidos desabando sobre as orelhas em ondas maltratadas, e a empregada o mirou com simpatia. Ao lado Boa-Vida fumava uma ponta de charuto, com um pé em cima da gradezinha do jardim. A criada primeiro falou para Boa-Vida com desprezo:
- Tira esta pata daí de cima ...
Depois sorriu' para Pedro Bala:
- Trago a água já ...
Voltou com dois copos d'água e eram copos como eles nunca tinham visto de tão bonitos. Beberam a água, Pedro Bala agradeceu:
- Muito obrigado ... - e baixinho - lindeza.
A empregada falou também baixinho:
- Frangote atrevido ...
- Que hora tu sai daqui?
- Te repara. Tenho meu homem. Ele me espera às nove horas da noite naquela esquina ...
- Pois hoje tou na outra ...
Saíram pela rua, Boa-Vida fumando sua ponta de charuto, abanando o rosto com o chapéu-coco que usava. Pedro Bala comentou:
- Eu sou é mesmo simpático ... Aquela tá no papo ...
Boa-Vida cuspiu novamente entre os dentes:
- Também com essa cabeleira de mulher, toda cheia de cachos ... Pedro Bala riu, mostrou o punho fechado ao Boa-Vida:
- Deixa de inveja, mulato pachola ...
Boa-Vida desviou a conversa:
- E o ourame?
- É trabalho primeiro pro Sem-Pernas ... Amanhã ele dá um jeito de embocar na casa e passar uns dias morando. Depois que ele souber onde fica os troço melhor a gente vem, uns cinco ou seis, tira o ourame ...
- E tu perde a comida?
- A criada? Como hoje mesmo ... Nove horas tou firme aí. ..
Voltou-se. Olhou a casa. A criada se debruçava na grade, Pedro Bala deu adeus. Ela respondeu, Boa-Vida cuspiu:
- Ó peste de sorte, nunca vi ...
...
IN Jorge Amado – Capitães da Areia
1937

Colocado por Rogério Coelho

OUTROS AUTORES

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, 16 de Março de 1825 -- São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890) foi um escritor português. Camilo foi romancista português, além de cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor.

Teve uma vida atribulada que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus escritos literários. Apesar de ter de escrever para um público, sujeitando-se assim aos ditames da moda, conseguiu ter uma escrita muito original.

Novelas do Minho é o título dado por Camilo Castelo Branco a um conjunto de oito novelas suas, influenciadas pela escola realista.
Como o título indica, as novelas situam-se na sua quase totalidade no Minho (norte de Portugal).

As novelas, com uma única edição em vida do autor, foram publicadas em doze volumes pela Livraria Editora Matos Moreira & Cia., entre 1875 e 1877. Os doze volumes foram assim arranjados:

o Gracejos que matam (Volume I, 1875)
o O comendador (Volume II, 1876)
o O cego de Landim (Volume III, 1876)
o A morgada de Romariz (Volume IV, 1876)
o O filho natural (Volumes V e VI, 1876)
o Maria Moisés (Volume VII em 1876 e Volume VIII em 1877)
o O degredado (Volume IX, 1877)
o A viúva do enforcado (Volumes X, XI e XII, 1877)
O CEGO DE LANDIM
Narra a vida de António José Pinto Monteiro, conhecido como o cego de Landim, um ladrão e vigarista que faz fortuna no Brasil, aliado a um rapaz que lhe que serve de apoio depois de ele ter perdido a vista, e a um polícia corrupto.

Foi ha treze annos, em uma tarde calmosa de agosto, neste mesmo escriptorio, e n'aquelle canapé, que o cego de Landim esteve sentado. São inolvidaveis as feições do homem. Tinha cincoenta e cinco annos, rijos como raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Resumbrava-lhe no semblante anafado a paz e a saude da consciencia. Tinha as espaduas largas: cabia-lhe muito ar no peito; coração e pulmões aviventavam-se na amplidão da pleura elastica. Envidraçava as pupilas alvacentas com vidros esfumados, postos em grandes aros de ouro. Trajava de preto, a sobrecasaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas amarrotadas e apoiava a direita no castão de prata de uma bengala.
Eu não o conhecia quando me deram um bilhete de visita com este nome - ANTONIO JOSÉ PINTO MONTEIRO.
Em S. Miguel de Seide, uma visita, que se fizesse preceder do seu cartão, era a primeira.
- Quem é? - perguntei ao creado.
- É o cego de Landim.
- E esse cego quem é?
O interrogado, para me esclarecer superabundantemente, respondeu que era o CEGO, como se se tratasse de um cego por excellencia e de historica publicidade: Tobias, Homero, Milton, etc.
Mandei que o conduzissem ao meu escriptorio. Ouvi passos que subiam rapidos e seguros uns doze degráos: e, no patamar da escada, esta pergunta muito sacudida:
- Á esquerda ou á direita?
- Á esquerda - respondi, e fui recebel-o á entrada.
Estendeu-me firme dois dedos, e desfechou-me logo em estylo de presidente de camara municipal sertaneja ás pessoas reaes, uma allocução á minha immortalidade de romancista, lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estatua... equestre; parece-me que elle não disse estatua equestre. Achei-lhe rasão. Eu tambem já tinha lamentado aquillo mesmo; porém, cumpria-me regeitar modestamente a estatua, como o duque de Coimbra, agradecendo a virginal lembrança do sr. Pinto Monteiro.
- Tenho ouvido ler os seus livros immortaes - disse elle - Não os leio porque sou cego.
- Completamente? - perguntei, parecendo-me incompossivel a cegueira absoluta com a segurança da sua agilidade nos movimentos.
- Completamente cego, ha trinta e trez annos. Na flôr da idade, quando saudava as flôres da minha vigesima segunda primavera, ceguei.
- E resignou-se...
- Se me resignei!... Morri de dôr, e resuscitei em trevas eternas... O sol, nunca mais!
Pungia-me a compaixão. Disse-lhe consolações banaes; citei os mais luminosos cegos antigos e recentes. Nomeei-lhe o principe da lyra peninsular, Castilho, e elle atalhou:
- Castilho tem o genio que vê as coisas da terra e do ceu. Eu tenho as duas cegueiras do corpo e da alma.
Achei-o eloquentemente sobrio e áttico; figurou-se-me até litterato dos bons. Lembrei-me se elle vinha convidar-me para fundarmos um jornal em Landim, ou se viria pedir-me para o propôr socio correspondente da academia real das sciencias.
Discretiamos de parte a parte em variados assumptos, até que elle explicou as suas pretenções. Tinha um litigio pendente sobre a posse disputada de umas azenhas que lhe haviam custado tres contos de réis, e pedia a minha valiosa preponderancia afim de que os juizes de segunda instancia lhe fizessem justiça inteira.
Observei-lhe que a minha influencia poderia ser-lhe necessaria, se a justiça estivesse da parte do seu contendor; por quanto, quem não tem justiça é que pede.
- Apoiado! - interrompeu elle - A razão diz isso; mas acontece que o meu contendor pede porque não tem justiça; ora não vão os juizes cuidar que eu tenho mais confiança na lei do que n'elles...
Pareceu me sagaz, argucioso e um pouco germanico o cego.
Deu-me quatro memoriaes, accendeu o terceiro charuto, e ergueu-se. Acompanhei-o até ao portão, e vi-o cavalgar com garbo quasi marialva uma vistosa egua, passar as redeas falsas pelas outras com destreza, esporear e partir sósinho.

***
Ora, o cego perdeu a demanda das asenhas por que as asenhas não eram perfeitamente d'elle, e eu não podia pedir aos desembargadores que as tirassem ao dono e m'as dessem a mim para eu as dar ao cego.
Nunca mais o vi. Retirou-me a admiração e mais a estatua. E, cinco annos depois, morreu.

Enviado por João Brito de Sousa