sábado, 27 de julho de 2013

DOIS DEDOS REAPARECIDOS - II



Aqui vai o segundo artigo sobre "Costeletas e Bifes",que saiu no Jornal "O Olhanense" em Janeiro de 2012, referência que agradeço adicionam ao  texto quando for publicado no Blog. Costeletais Saudações. Norberto Cunha.-


DOIS DEDOS DE PROSA                                                                                                             
Por  Norberto Cunha
                                                                                                                                              “COSTELETAS” e “BIFES” 
II   Emulação e Empatia 

                                                                                                                                                                    Como ficou dito no artigo precedente, a população estudantil de Faro provinha de dois grupos sócio-culturalmente diversos, embora economicamente próximos. Muito mais do que as condicionantes de natureza material, eram os pressupostos de ordem ideológica que presidiam às opções educativas de um e outro. Estudar no liceu, além de prometer mais altos voos a quem o fazia, era, conforme a tradição, também “mais fino”. Em contrapartida, estudar na escola garantia de modo mais eficaz e em prazo menor, a profissionalização e autonomia económica dos que seguiam essa opção. Assim, vangloriavam-se os “bifes”, duma escolaridade que, em princípio, os guindaria ao exercício duma profissão liberal ou a cargos de direcção nas empresas e na administração pública. No entanto, mais de metade ficava pelo caminho. Os que não iam além do 5º ano (segundo ciclo) confrontavam-se com um mercado de trabalho onde não abundava oferta condizente com tais habilitações. Aos restantes, àqueles que concluíam o 7º ano mas não tinham meios     para ingressar na universidade, deparava-se situação semelhante. Saíam porém     com a satisfação decorrente duma mais dilatada vivência das praxes e ritos académicos, da solenidade da capa e batina, do romantismo de devaneios e anseios adolescentes induzidos, em parte, pelos ecos do viver mais ou menos boémio e liberal da academia coimbrã, guitarras e fado incluídos. Mas fosse como fosse, todos estes frequentavam um ensino com tradição secular, reputado de mais complexo e exigente, com propinas de custo mais elevado que as do ensino técnico e tinham-se saido bem nas respectivas provas de admissão cujo grau de dificuldade, segundo se dizia com verdade ou sem ela, sobrelevava o das suas congéneres da escola. Em tais particularismos assentava o sentimento de superioridade que muitos nutriam relativamente aos seus pares “costeletas”, conquanto nem sempre tal sentimento transparecesse ou, transparecendo, raramente roçasse a sobranceria. Do outro lado, desprezando o canto de sereia do “mais fino”, a visão mais realista da vida por parte das famílias que pesavam com objectividade as potencialidades dos dois sistemas de ensino, era o que conduzia ao ingresso na escola dos futuros “costeletas”. E se à partida, para alguns destes, poucos, aceitar tal destino era um acto de resignação, passado pouco tempo, e como os demais, já lhe reconheciam as vantagens e delas se orgulhavam. Obtinham uma formação que, ao contrário da do liceu, aliava teoria e prática, assegurava a especialização num ofício ou proporcionava um diversificado conjunto de saberes e aptidões que os tornava candidatos preferenciais num primeiro emprego, e profissionais qualificados com possibilidade de superior sucesso numa carreira nas empresas dos sectores secundário e terciário, ou na função pública. Além disso, e ainda que fosse mais estreito o leque das opções subsequentes, os cursos técnicos eram ainda um patamar para o prosseguimento de estudos através de cursos médios, magistério primário, institutos comercial e industrial, e estes últimos também facultavam o acesso à universidade.                   
Conscientes das especificidades do sistema em que se integravam, “costeletas “ e “bifes” valorizam as que lhes tocavam, mas raramente as invocavam como forma de afirmação pessoal. Era nos eventos de carácter social, em particular nos confrontos desportivos, onde essa consciência melhor se expressava como factor de auto-estima e de coesão colectiva. Fatia maior desses confrontos cabia ao futebol, que concitava larga afluência de estudantes de ambos os lados e sexos. Aí se digladiavam as respectivas claques, cada uma tentando abafar a outra com os seus “gritos de guerra”.“F, r e a: Fra; F,r e e:, (etc.); Fra, Fre, Fri, Fro, Fru, charabitátátá (bis) Hurra! Hurra!” Gritavam os “bifes”. “Alabi, Alabá; Alabi, Bumbá! Escola! Escola! Escola! Hurra! Hurra!” Ripostavam os “costeletas”.           
Todavia, para os jogadores, a presença das “miúdas” constituía o maior estímulo.                                         
Que se saiba, também do historial desses encontros não há registo. Porém, atendendo ao significativo número de “costeletas” que neles participaram e vieram a representar os dois clubes rivais do Sotavento e ainda o antigo Sport Lisboa e Faro, presume-se que a equipa detentora do melhor palmarés terá sido a da escola. Entre outros que nela se distinguiram, lembramos: Barão, Fausto Xavier, José Gonçalves, Júlio, Rogério Soromenho, Ribeirinho, José Palminha, os irmãos Zambujal, Filipe Vieira, Manuel Dias, Zeca Bastos (Faro); Poeira, Parra, Eduardo Pires, Nuno, Agostinho, Vítor Caronho (Olhão).                               Já quanto aos despiques no campo amoroso, a história terá sido outra. Se bem que, perante o assédio dos “bifes” às moças da escola, os “costeletas” viessem a responder na mesma moeda, ao que parece, de tal disputa não resultaram vencidos nem vencedores. Ao longo do tempo, vários “bifes” casaram com “costeletas”, mas não faltaram também os “costeletas” que casaram com alunas do liceu. Aliás, a emulação entre os dois grupos nunca impediu que entre os seus componentes surgissem grandes e duradouras amizades. Todos eram estudantes, jovens, portadores de sonhos e de esperança e que, por diferentes vias, perseguiam um mesmo desiderato: a realização pessoal. E de ambos os lados, o sentimento de pertença a um grupo que reunia jovens oriundos de quase todo o Algarve, era uma fonte de socialização que fomentando o sentido de participação e do dever de fidelidade ao mesmo, os preparava para as responsabilidades da idade adulta.                                                                          
Prosseguindo estudos e/ou ingressando no mundo do trabalho, grande parte de uns e outros se dispersou pelo país e alguns pelo estrangeiro. Na sua maioria bem sucedidos na vida, alguns alcançaram a notoriedade, designadamente nos domínios do empreendedorismo empresarial, da cultura e da política. E não são poucos os que lembram esse passado de “bifes”/”costeletas” como momento primeiro mas determinante do sucesso maior ou menor das suas carreiras. Entre os primeiros, há os que de tempos a tempos se reúnem para confraternizar ou a propósito duma celebração. Os segundos fundaram em 02/04/91 a “Associação dos Antigos Alunos da Escola Tomás Cabreira”, que conta com cerca de 600 associados, desenvolve assinalável actividade social (almoços bianuais, comemorações, festas, etc.) publica “O Costeleta”, um pequeno jornal que “sai quando sai” mas já atingiu a bonita soma de 109 edições, e participa na blogosfera com um blog (temporariamente suspenso) que tem dois “bifes” entre os seus colaboradores.           
Assim se comprova que aquela recíproca e subconsciente ponta de inveja que atravessava o relacionamento entre “bifes e costeletas” (da qual no entanto só os mais atentos se davam conta) era, afinal, manifestação primária da grande empatia existente entre uns e outros, mas que sob o véu
da competitividade se escondia.