domingo, 27 de novembro de 2016

CRÓNICA DE FARO






O “manipanço” ficou em Faro

OPINIÃO | JOÃO LEAL

Três palmos de gente, ali paredes meias com as casas onde até ao casamento vivemos, na rua da Carreira, entre o Largo da Madalena e o Largo de Camões, por ser por ela que se processava o trânsito das “camionetas” (caminetas, como a gente dizia), sem que o termo autocarro tivesse surgido, ficava na Igreja de Santo António dos Capuchos, hoje reintegrada no culto religioso, ao lado da então Cadeia Comarcã (atuais dependências da GNR), o Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique que, nos nossos dias e mercê do espírito empenhado do então major João Henrique Vieira Branco, então a presidir à autarquia e do seu colaborador o académico professor José António Pinheiro e Rosa, funciona no antigo Convento das Freiras e chama-se Museu Municipal de Faro.
O “velho guarda – encarregado do museu, cujo nome nunca soubemos e que Deus há muito chamou a si, tão velho como muitas das peças que constituem o espólio museológico, dava-nos a “borla” de entrarmos e sairmos com toda a vontade deste mundo do museu, onde nos fascinava e à geração hoje a rondar os oitenta anos a imagem negra do negro “Manipanso”, que viemos a sabê-lo se designa, segundo os canônes da etnografia de “Nksi Nkondi”. Estava postado com o seu olhar furibundo e toda a multitude de pregos, lâminas, embutidos em ferro e cobre, latas, espelhos, relicários para atrair os maus espíritos e outros adornos, num escuso canto no acesso à sacristia.
Quando algum deste “bando de pardais à solta” que então ia ao museu para ver o “Manipanso” ousava, porque de um ato de verdadeira ousadia se tratava, tocar o sino estava-lhes pendente era uma correria desenfreada face ao medo da vinda dos espíritos maus que, se dizia, o “mesmo provocava”.
Valiosíssima peça museológica e disputada por alguns dos mais famosos museus e colecionadores à escala mundial foi alvo de acesa disputa ante a bimilionária proposta apresentada ao município de dois milhões de euros pela conhecida galeria britânica “Entaristle”, uma referência em todo o mundo deste tipo de artefactos. Certo é que o executivo autárquico, em deliberação havida por unanimidade deliberou refeitar a oferta, que se destinaria a obras no museu e não obsante a sua difícil situação económica contrariou o ditado popular “vão-se os aneis ficam os dedos” e, desta forma o “Nksi Nkondi” ou na linguagem popular o “Manipanso” permanece em Faro, como peça de alto valor museológico. Esta é uma das principais peças do acervo patrimonial do Museu Municipal de Faro pelas suas características únicas de objeto ritualístico usado em práticas tribais do Congo ligadas as mesmas à feitiçaria e espiritualidade.
Foi este “Nksi Nkondi”, que data do século XIX recolhido na fronteira do Congo (Loube) com Angola e o Zaire e oferecido ao Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique, em 1917 pelo conhecido farense coronel Pires Viegas, que ali se encontrava em missão militar, com um monumento em sua homenagem inserto na Praceta da mesma designação toponímica junto à rua Eng. Humberto Delgado, nas imediações o Mercado Municipal.
Uma peça de que Faro e os farense se podem orgulhar e que continua entre nós!

João Leal