O “manipanço” ficou em Faro
OPINIÃO | JOÃO LEAL
Três palmos de gente, ali paredes meias com as casas
onde até ao casamento vivemos, na rua da Carreira, entre o Largo da Madalena e
o Largo de Camões, por ser por ela que se processava o trânsito das
“camionetas” (caminetas, como a gente dizia), sem que o termo autocarro tivesse
surgido, ficava na Igreja de Santo António dos Capuchos, hoje reintegrada no
culto religioso, ao lado da então Cadeia Comarcã (atuais dependências da GNR),
o Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique que, nos nossos dias e mercê
do espírito empenhado do então major João Henrique Vieira Branco, então a
presidir à autarquia e do seu colaborador o académico professor José António
Pinheiro e Rosa, funciona no antigo Convento das Freiras e chama-se Museu
Municipal de Faro.
O “velho guarda – encarregado do museu, cujo nome
nunca soubemos e que Deus há muito chamou a si, tão velho como muitas das peças
que constituem o espólio museológico, dava-nos a “borla” de entrarmos e sairmos
com toda a vontade deste mundo do museu, onde nos fascinava e à geração hoje a
rondar os oitenta anos a imagem negra do negro “Manipanso”, que viemos a
sabê-lo se designa, segundo os canônes da etnografia de “Nksi Nkondi”. Estava
postado com o seu olhar furibundo e toda a multitude de pregos, lâminas,
embutidos em ferro e cobre, latas, espelhos, relicários para atrair os maus
espíritos e outros adornos, num escuso canto no acesso à sacristia.
Quando algum deste “bando de pardais à solta” que
então ia ao museu para ver o “Manipanso” ousava, porque de um ato de verdadeira
ousadia se tratava, tocar o sino estava-lhes pendente era uma correria
desenfreada face ao medo da vinda dos espíritos maus que, se dizia, o “mesmo
provocava”.
Valiosíssima peça museológica e disputada por alguns
dos mais famosos museus e colecionadores à escala mundial foi alvo de acesa
disputa ante a bimilionária proposta apresentada ao município de dois milhões
de euros pela conhecida galeria britânica “Entaristle”, uma referência em todo
o mundo deste tipo de artefactos. Certo é que o executivo autárquico, em
deliberação havida por unanimidade deliberou refeitar a oferta, que se
destinaria a obras no museu e não obsante a sua difícil situação económica
contrariou o ditado popular “vão-se os aneis ficam os dedos” e, desta forma o
“Nksi Nkondi” ou na linguagem popular o “Manipanso” permanece em Faro, como
peça de alto valor museológico. Esta é uma das principais peças do acervo
patrimonial do Museu Municipal de Faro pelas suas características únicas de
objeto ritualístico usado em práticas tribais do Congo ligadas as mesmas à
feitiçaria e espiritualidade.
Foi este “Nksi Nkondi”, que data do século XIX
recolhido na fronteira do Congo (Loube) com Angola e o Zaire e oferecido ao
Museu Arqueológico e Lapidar Infante D. Henrique, em 1917 pelo conhecido
farense coronel Pires Viegas, que ali se encontrava em missão militar, com um
monumento em sua homenagem inserto na Praceta da mesma designação toponímica
junto à rua Eng. Humberto Delgado, nas imediações o Mercado Municipal.
Uma peça de que Faro e os farense se podem orgulhar e
que continua entre nós!
João Leal
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