domingo, 10 de janeiro de 2010

Luís Fernando Verissmo é um escritor brasilero, bastante conhecido por suas crónicas e textos de humor, publicados diariamente em vários jornais.
É filho de Érico Verissimo renomado escritor, autor de romances como: Clarissa, Olhai os lirios do campo, Incidente em Antares e muitos outros.
Luis Fernando tem uma vasta obra de crónicas e contos, novelas e romances, cartuns. É também eximio saxofonista.

Pela actualidade do tema permito-me enviar para publicação a pérola que se segue.


António Palmeiro

Arvore Genealógica

- Mãe, vou casar!

- Jura, meu filho ?! Estou tão feliz ! Quem é a moça ?

- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.

- Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?

- Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?

- Nada, não.. Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.

- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...

- Problema ? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Só isso.

- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea...
- E quando eu vou conhecer o meu. A minha... O Murilo ?

- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.

- Tá ! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui ?

- Por quê ?

- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.

- Você acha que o Papai não vai aceitar ?

- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade... E olha que espetáculo: as duas metades com bigode.

- Mãe, que besteira ... Hoje em dia ... Praticamente todos os meus amigos são gays.

- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã.

- A Bel já tá namorando.

- A Bel? Namorando ?! Ela não me falou nada... Quem é?

- Uma tal de Veruska.

- Como?

- Veruska...

- Ah !, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.

- Mãe !!!...

- Tá..., tá..., tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...

- Por que não ? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.

- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?

- Quando ele era hétero... A Veruska.

- Que Veruska ?

- Namorada da Bel...

- "Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco...

- É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.

- De quem ?

- Da Bel.

- Mas . Logo da Bel ?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska...

- Isso.

- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel.

- Em termos...

- A criança vai ter duas mães : você e o Biscoito.E dois pais: a Veruska e a Bel.

- Por aí...

- Por outro lado, a Bel...,além de mãe, é tia... Ou tio.... Porque é tua irmã.

- Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.

- Só trocar, né ? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.

- Exato!

- Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi...

- Entendeu o quê?

- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!

- Que swing, mãe?!!....

- É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra...

- Mas..

- Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio...

- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...

- Sei!!!... E quando elas quiserem ter filhos...

- Nós ajudamos.

- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que...

- Que.. ?

- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser dificil


(Luiz Fernando Veríssimo )

Impossível resistir ao impulso, depois de ler, de partilhar com todos os costeletas!
Onde seria que eu tomei conhecimento de uma história parecida com esta?
Vou tentar lembrar-me.
António Palmeiro

O SONHO DOS RATOS

( Nova velha fábula)


Era uma vez um “bando” de ratos que vivia num buraco do assoalho de uma casa velha.
Havia ratos de todos os tipos: - grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, do campo e da cidade. Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados num sonho comum.
- Um queijo enorme, amarelo, com um aroma delicioso, bem perto dos seus narizes.
Comer o queijo seria a suprema felicidade…
Bem perto é modo de dizer. Na verdade o queijo estava muito longe, porque entre ele e os ratos estava um gato…
O gato era malvado, tinha dentes afiados e nunca dormia. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e … era uma vez um ratinho!
Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam.
O ódio a um inimigo comum que os tornava cúmplices de um mesmo desejo: - queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cão…
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar.
Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem) e chegaram mesmo a escrever livros com a critica filosófica dos gatos.
Diziam que um dia os gatos seriam abolidos e que todos seriam iguais “quando se estabelecer a ditadura dos ratos” diziam “então todos seremos felizes”…
- O queijo é grande e bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam…
Nos seus sonhos comiam o queijo.
E, quanto mais comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados; não diminuem, crescem sempre.
E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:
- “Ao queijo já!” …
Sem que ninguém pudesse explicar como, o facto é que, ao acordarem numa bela manhã, o gato tinha desaparecido.
O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastava dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente em redor, aquilo podia ser uma armadilha do gato. Mas não era.
O gato tinha desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria.
Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. Foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira dentada.
Compreenderam, de repente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados;
Quando comidos, em vez de crescer diminuem.
Assim, quanto maior o número de ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um.
Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos.
Olhavam . cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo tinham comido. E os olhares enfureceram-se, arreganharam os dentes, esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos.
A luta começou:
Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E acto contínuo, começaram a lutar entre si. Alguns ameaçaram mandar chamar o gato, alegando que só assim a ordem seria estabelecida.
O projecto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando …
Os ratinhos magros e fracos dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo, pareciam mesmo o gato, o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros não conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora.
RATO = GATO
Os ratos fortes tornavam-se cada vez mais fortes. Diziam mentiras para enganar os outros ratos.
Os ratos fracos acreditavam nas mentiras por ignorância ou por medo. Por medo muitos ratos fracos defendiam os ratos fortes, na esperança de ganhar alguma migalha de queijo.
Os ratos fortes criaram impostos. Precisavam de dinheiro para poder ficar mais fortes e assim poder cuidar do resto do queijo.
Precisavam de mais impostos, porque só assim poderiam cuidar da saúde dos ratos mais fracos.
Todo rato que fica dono do queijo transforma-se em gato.
Não é por acaso que os nomes são tão parecidos.

Autor: Rubem Alves (escritor)

“Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos
fragmentos de futuro em que a alegria é servida como
sacramento, para que as crianças aprendam que o
mundo pode ser diferente. Que a escola,
ela mesma, seja um fragmento do
futuro…”