segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DOIS DEDOS DE PROSA
Por Norberto Cunha

APRESENTAÇÃO

Quando, ao folhear o seu jornal, os leitores deparam com o rosto e a prosa dum novo colaborador, por certo experimentam algo semelhante àquele misto de surpresa e expectativa que todos sentimos sempre que, em casa, recebemos uma visita inesperada. Em ambos os casos, a surpresa é tão-só a centelha do instante. Mas a expectativa do leitor é porta por ele entreaberta a uma nova convivência. E sendo a página escrita o espaço natural e imediato desse possível e específico “viver com”, compete àquele que a escreve transmutar em apetência, aprazimento e interesse, aquilo que, à partida, foi no outro que a lê, curiosidade espontânea e aposta cautelosa. É nesse sentido que hoje ensaio um primeiro passo, fazendo deste encontro inaugural o lugar e o momento para, antes de tudo, dizer algo sobre mim e ao que venho. Sou um farense “exilado” há quase cinquenta anos no concelho de Cascais, bancário aposentado, licenciado em Filosofia, que gosta de escrever e faz da escrita exercício vário, abrangente, onde a cidadania também cabe. Propus-me, e proponho-me, colaborar neste jornal com a intenção de partilhar ideias, opiniões, porventura um pouco do meu modesto saber, esperando dar assim um pequeno mas positivo contributo a uma publicação que a vários títulos o merece, inclusive por se tratar de um média que — a par com o seu desempenho de porta-voz do S.C.O. — pela sua história, prestígio e vitalidade, se vem afirmando como sólido baluarte da imprensa regional. Move-me também o intuito de restaurar, ainda que à distância, uma antiga relação de boa vizinhança, de reatar um contacto permanente com gentes de Olhão. Propósito feliz, desde logo premiado com um bom augúrio. Antes de me imaginar escrevendo estas linhas, já um primeiro e gratificante reencontro (por ora apenas verbal, mas reencontro) acontecia entre dois “velhos” conhecidos: o olhanense Mário Proença e eu. De novo lhe agradeço o pronto e afável acolhimento à minha pretensão. Quanto aos temas e ocorrências que terei por objecto, adianto que se inscrevem prioritariamente nos domínios da cultura (artes, ciências, história) e da vida social e política. A opção em cada momento obedecerá, na medida do possível, a um critério de oportunidade. Dito isto, deveria, talvez, ficar por aqui, atendendo a que, enquanto veículo duma apresentação, este texto já cumpriu o seu percurso. Porém, presumindo que ao vir a lume, ao interpelar os leitores, poderá ser recebido com a mesma atenção que dispensamos à visita inesperada, então não posso dar por findos, a visita e o texto, sem retribuir a amabilidade dos seus anfitriões. E faço-o deixando-lhes uma pequena e simbólica prenda, na forma de um apontamento sobre a Ria Formosa. Refere-se a um local determinado, mas poderia ter por referente qualquer outro, de quantos, idênticos, dela são parte:

Preia-Mar no Ancão

O pino da tarde é o momento.
Lânguida, verde e transparente
a toalha oceânica
renova a posse inteira, soberana
e amante sobre a Ria.

Com ternura,
deita-se já nas ilhotas rasas
do sapal
e carícias imprime
no cálido lençol dos louros areais

Misturam-se odores.
Terra de sal irrigada
eflúvios de cardo e trovisco
limos e murraça
tojos, pinho.
Erótico perfume.

É agora.
Cessou o trotar de caranguejos
o compasso da babugem
a tensão nas amarras
e a deriva dos barcos
o voo das aves
o percutir de insectos
o rumor da brisa.

No deslumbre
do olhar aprisionado
repousada e soberba
a líquida e límpida planura•
aí está, enfim•
em toda a extensão•
da sua fecundidade
em toda a grandeza
da sua imponente quietude.
Agora tudo é uno, inteiro
completo
perfeito.

Em êxtase•
rendido ao pleno da maré
detém-se o universo.
Só o sentir se move•
e a memória guarda.
Não são mais•
que saudade antecipada
ocaso deste instante mágico
e único sempre.

Obviamente,
nunca o cronista bíblico
se aventurou por esta estreita
remota e ignota faixa do paraíso.
Mas sem ela, sem estes aromas
esta luz, esta paisagem•
este momento sublime•
Éden algum alcançará a completude

IN Norberto Cunha - Jornal "o Olhanense"
2010

Colocado por Rogério Coelho
FIQUEI SATISFEITO,
Por João Brito Sousa


Com os comentários ao meu texto, "O costeleta do ano", por ser uma matéria delicada e concordo com o que diz o Montinho nos seus comentários.

Nunca procurei outra coisa que não fosse a unidade dentro do Universo costeleta. Mantenho tudo o que disse no texto já publicado "O costeleta do ano".

E aí vão as adendas.

DIOGO COSTA SOUSA - Merecia figurar no primeiro texto e não figurou por lapso, como todos. O DCS é um costeleta de carácter, homem de princípios, estudioso, sendo as suas matérias preferidas a História e a Política. É um homem organizado, não dá um passo em falso, o que diz ou escreve é cientificamente correcto. É um homem lógico.

ALFREDO MINGAU - Tem grande apoio e muitos admiradores no blogue. E isso quer dizer alguma coisa. É um homem que gostava de conhecer, porque, apesar de nem sempre termos estado em sintonia, gostava de estar perto dele. Todavia, não tenho o direito de não o incluir nestas notas, apenas por esse facto. O que conta aqui é o comportamento ético da pessoa. E, apesar de ser um anónimo, com o que não concordo, o Alfredo disse não quando era não e disse sim, uma vez ou outra, quando era sim. Disse-me coisas duras convencido da sua razão. Aceitei sempre ouvi-lo, por dois motivos; porque sempre gostei de ouvir os outros e porque me parece ser um homem que utiliza a verdade como a sua brincadeira preferida. E esta, como diz Bernardo Show, é mais linda brincadeira do mundo. A sua forma de escrever é muito apreciada no blogue. É para continuar.

ZÉ PAIXÃO - Essas histórias dos bailes em Santa Bárbara de Nexe, Gorjões, Vilarinhos, Estói e por aí fora, where are? Zé, eu pertenci ao team RASGA A MANTA ... portanto, nada mais. És o exemplo. Um abraço special.

MARIA JOSÉ FRAQUEZA - Imperdoável não ter falado nela no outro texto. Mas digo tudo se não disser mais nada. Porque é uma costeleta de enorme talento e prestígio.


Voltarei, se estas opiniões forem entendidas como válidas.

Até lá, um abraço do

jbritosousa@sapo.pt

PONTO DE ENCONTRO

Identifiquei-me com a crónica que em anexo envio e não quiz deixar de partilhar com outros que eventualmente também venham a gostar.

Ferreira Borges

Ganhei coragem …
“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece”, observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega:
“Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos”.
Tardiamente.
Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
“O povo unido jamais será vencido”, é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem politica. Mas Deus foi exilado e o “povo” tomou o seu lugar:
A democracia é o governo do povo. Não sei se foi bom negócio;
O facto é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direcções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição.
Pulava de amante em amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora serás minha para sempre”.
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável .
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
A verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente: Judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr ,teólogo moral protestante, no seu livro “O Homem Moral e a Sociedade Imoral” Observa que os indivíduos isolados, têm consciência, são seres morais. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos actos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da claque de um clube rival.
Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da colectividade. É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e as democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições dizem quem é o artista que produz a imagens mais sedutoras.
O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à colectividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mão-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava Führer.
O povo unido jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos. Mas que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; Não gosto de churrasco, não gosto de Rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.
Tenho medo de que num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos, a engolir sapos e brincar de “boca-de-forno”, à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro de verifique é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção.”, isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves
Colunista da Folha de São Paulo

OUTROS AUTORES

"Faro è là minuta"

Rua de Santo António

Lina Vedes

Nos anos 40/50 vivíamos como se o coração da cidade concentrasse na parte velha, em todo o espaço definido entre muralhas, e a alma na Rua de Santo António e ruelas que nela desembocam.
Era a principal rua da cidade, a rua das lojas, o centro comercial, o passeio público, o ponto de encontro de amigos.
Toda a população convergia para a Rua de Santo António onde se encontravam os estabelecimentos que vendiam os produtos essenciais à vida, e passeava, da Pontinha ao Jardim, trocando palavras de afecto ou maldizentes .•
Um olhar clínico de observador atento descobriria na rua principal de Faro, humanamente bem recheada, mulheres na azáfama das compras, intervalando-as com conversas de amigas, e homens de chapéu na cabeça, cavaqueando nas esplanadas dos cafés ou à Pontinha, local de concentração da boa e má-língua.
De tarde, após a saída das aulas, grupos de estudantes impunham à rua nova pintura, com alguns rapazes vestidos com as negras capas e batinas.
Pés encostados à parede fixavam-se ao pé da Artys, à Pontinha, perto do Banco Ultramarino e do Cinema, na Gardy, espreitando e comentando sobre os grupos de raparigas que num vai vem constante subiam e desciam a rua.
Vivia-se sob o signo da castidade, considerando-se que amar era impróprio. A sociedade impingia uma educação rígida com obediência intransigente, que bania por completo a carícia ou o beijo, "queimando" a rapariga que permitisse tal libertinagem. Os rapazes corriam o perigo de ser obrigados a casar ou punidos com prisão, se uma jovem de menor idade aparecesse desonrada ou grávida, culpabilizando-o.
Os jovens dessa época viviam "entalados" entre a realidade imposta e o próprio sonho ...
Disfarçavam a curiosidade mórbida, a frustração, a impossibilidade de contactos, observando-se e deixando-se observar. Os rapazes, fixos num sítio estratégico, as raparigas cirandando a mostrar-se, mascarando as verdadeiras intenções.
Éramos adolescentes e parecíamos uma verdadeira "praga" (temporária) ... A nossa sensibilidade descontrolada levava-nos a ser insolentes e grosseiros, atingindo o exagero, porque os nossos inibidores não estavam ainda ajustados.
Fazíamos julgamentos rígidos, mordazes, implacáveis, tirávamos conclusões precipitadas, respondíamos bruscamente sem qualquer tipo de tolerância.
Fazendo análise a esta fase da vida, comum a todos os humanos, compreendo como no meu tempo participei em acções impensáveis e imperdoáveis.
Na Rua de Santo António existia uma tipografia pertencente ao Sr. Serafim, que se situava onde hoje é a Palloran, fazendo canto para a Travessa Vouzela.
Uma amiga de Liceu, a Inês, ao consultar os Anais da Câmara Municipal de Faro de 1988, na página 108, descobriu, por casualidade, a indicação de um Eduardo Serafim, residente na Sé, com 48 anos, dono de uma tipografia, que entre 1899-1901, foi membro da Vereação Camarária (substituto). Logicamente, chegamos à conclusão que tal individuo teria sido pai do Serafim que nos aparecia na frente em 1955, a saber dos nossos desejos.
Aparecia o proprietário, atencioso, discreto, de frágil estatura, arrastando os pés como quem carrega um enorme e pesado fardo. O casarão de trabalho era enorme, fundo e escuro, cheirando terrivelmente a bafio, emprestando ao alfaiate um pouco desse odor...

Alojado dentro das calças subidas até ao peito e amarradas por um cinto de cabedal, via-se um enorme vulto parecendo uma almofada colocada entre as pernas.
Os nossos olhos brilhavam de gozo ... (que doença seria ...) e quando o Sr. Serafim nos perguntava, delicadamente, falando "axim":
- O que "dejejeam" as meninas?
- Xô ... xa ... rafim ... tem postais ilustrados?!!!!!
Saíamos porta fora sem saber qual a resposta.
Nos anos 40 iam à tipografia comprar bacalhau e nos 30, o Serafim filho, frequentador de aulas de músi6a, era alvo de diversas brincadeiras. Urinavam-lhe na flauta e ao colocar os lábios para tocar, exclamava:
- Quem deitou "xumo" de limão nos "orifixios" da flauta?
Existia outra vítima das nossas brincadeiras, na Rua de Santo António, o Coelho alfaiate, cuja loja ficava quase na frente da tipografia, um pouco mais para baixo, onde hoje é o António Manuel.
Este alfaiate era o inverso do tipógrafo.
De estatura franzina, com óculos metálicos e redondos assentes na ponta do nariz enquanto trabalhava, olhar de águia, afastava qualquer tipo de diálogo, impelindo-nos para a "partida".
Todas as tardes, à saída das aulas, entrávamos na tipografia que fornecia lindos postais ilustrados sobre 2l cidade de Faro e seus arredores.
Ao entrarmos, uma campainha suspensa na porta sinalizava- nos.
Tinha uma porta de acesso e uma ampla janela de peito a pouca altura do chão, que permitia ver todo o interior.
A meio da sala uma bancada de trabalho para marcar e cortar os cortes de fato e outra para passar a ferro que, quando utilizada, fumava por todos os lados.
O chão da casa com ripas de madeira podre rangia quando pisado.
Nunca vi luz acesa neste estabelecimento e para poder trabalhar o Coelho sentava-se à janela, numa cadeira baixa, aproveitando a claridade do dia.
Cosia colocando a roupa colada ao nariz.
Nós, ao passarmos no passeio da rua, junto da janela, metíamos o braço e dávamos uma forte "caqueirada" na cabeça do Coelho. Acontecia, às vezes, três ou quatro de seguida, à medida que caminhávamos umas atrás das outras.
Quando o alfaiate conseguia levantar-se e aparecer à janela, a injuriar-nos, já íamos longe, rindo da patifaria.
Onde hoje é a Zara (na parte da R. 1° de Dezembro) existia a Terçanaval, casa que vendia apetrechos de pesca, âncoras, roldanas, candeeiros de petróleo, "bombas" para matar insectos (uma maquineta cilíndrica com um êmbolo tendo por baixo um reservatório com o insecticida) '" O proprietário, todo elegante, parecia aos nossos olhos um indivíduo de vaidade extrema. Para se sentar "rapava" de um lenço de algibeira e sacudia com ele o assento da cadeira com receio de se sujar. Era o "cuzinho de veludo".
As lojas da R. de Santo António e D. Francisco Gomes seguiam-se umas às outras à esquerda e direita, com passeios para peões e trânsito ascendente, circulando ao centro. As camionetas da carreira para Olhão passavam por ali, obrigando os transeuntes a serem cuidadosos. Marcavam presença nestas ruas as farmácias Baptista, Graça Mira e a do Montepio; o Dr. Guerreirinho, perto da Gardy, com o seu consultório, os fotógrafos Correia e o Helder, a ourivesaria Bomba, o oculista Graça, o Farracha dos jornais, as decorações e mobílias da Casa Nobre, as louças do Carvalhinho, as tabacarias Pires e Sancho Lda. e a do Janeiro, a espingardaria Fazenda, o stand Pardal, o Cine Teatro Farense com a gerência do poeta, intensamente snob, Alberto Marques da Silva, conhecido por "marmelada", com o seu cravo vermelho na l'apela do casaco, o Clube Farense só para gente da "alta", o Ginásio por cima do Banco Espírito Santo e perto, na Rua 1° de Dezembro, a Casa das noivas, a padaria da família Costa, a Fiat ." e outras que poderão ter caído no esquecimento... A completar este enorme centro comercial da baixa farense, não há que esquecer as mercearias Gago e Aliança (com o hotel, café e bilhar) do Sr. José Pedro da Silva, o café Atlântico (em 1952 substituiu o Central), com uma linda sereia, em baixo relevo, numa dos paredes, a Gardy, a Brasileira, a Brasília do Sr. Marcelino, com bilhar, tendo a Pensão Sota no 1° andar.
Existia ainda a Pensão Luísa, pertencente à mãe do campeão de luta livre José Luís, que ficava por cima do Helder fotógrafo, onde hoje é o restaurante Chelsea. Ao lado, fazendo canto, tal como na actualidade, a casa dos bidés Pinto substituída, posteriormente, pela Lusbel (casa da borracha) e depois a Sayonara. A meio da rua, à esquerda de quem sobe, havia outro estabelecimento idêntico, a Fábrica Lusitânia.
Consigo visionar mais estabelecimentos como as sapatarias Cibele, a Atlas do Serpa, cujo empregado, o Sr. Ferro, era bastante simpático e empenhado.
As lojas de roupas vendiam tecidos a metros (não havia pronto a vestir), englobando artigos de retrosaria. Recordo a Labor e o Sr. Abel, balconista excepcional que vinha diariamente de Olhão, a casa Tabu cujo 1° proprietário, o Sr. Arbués, possuidor de uma "senhora barriga" de respeito, a passou ao Lopes, a casa Rodrigues com artigos de bom gosto e "de primeira", a casa Rosa e a Verde (restaurada em 1955) com óptimos empregados, o Sr. Machado, o Sr. Monteiro, o Sr. Gaspar e o Sr. Santos; a casa Carminhos do Fernando e do Virgílio, filhos da viúva Carminho, com loja na R. Filipe Alistão...
Não poderei deixar de focar os tecidos vendidos na Rua Tenente Valadim (rua dos Cavalos) nas casas Estevinha e Salomé, os electrodomésticos do Calapés, o Trindade (casa dos cestos), o correeiro Porto, os bilhares Olímpico, a cervejaria Aquário, a pastelaria Baleizão (Biju), o restaurante Flórida, as ourivesarias Seruca, o Alho, o Alhinho, o oculista Serra...
Recordo ainda as agências bancárias, Nacional Ultramarino, Algarve, Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos construída em 1947, depois de acesa polémica comprovada num artigo do semanário Correio do Sul, que dizia o seguinte:

Quem manda em Faro?
“O Sr. Presidente da Câmara Municipal de Faro, numa entrevista recentemente concedida, não hesitou em qualificar de péssima a solução de se construir a filial da Caixa Geral de Depósitos à esquina da rua de D. Francisco Gomes.
Disse mais que ela tinha a franca e aberta antipatia da cidade inteira - o que, em boa verdade, já sabíamos - e esclareceu que tal localização não foi proposta pelo autor do plano de urbanização que, não só a não preconiza, mas até dela discorda.
Dela discordam também a Liga dos Amigos de Faro, a Comissão Municipal de Turismo, o Grémio do Comércio de Faro e várias outras entidades .•
Por que se persista então na triste ideia, ocorre muito naturalmente perguntar.
Que direitos se arroga a Caixa para impor à capital alarvia uma solução que todos repudiam
Quem manda em Faro?
Correio do Sul- 27 de Março de 1947

Quem manda em Faro?

Nos prédios derrubados para a construção da Caixa Geral de Depósitos existiam, no rés-do-chão, a casa de móveis Vieira, a mercearia "Casa Inglesa" e, dando para o Jardim, além de outros estabelecimentos, uma geladaria. No 1° andar era a residência e hospedaria de João Sota que a situou, posteriormente, por cima dos restaurantes Brasília e Cabaz da Fruta, que pegava com o Aliança.
Continuando, não esqueço as lojas que mais frequentava: as papelarias e livrarias do Sr. Silva, que transpirava honestidade, respeito e segurança, com secção de fotografia e brinquedos, a Académica, a do Alberto Capela e a Artys em frente à Brasileira. Na Artys, o pagamento mensal da despesa permitia-me levar artigos não de estudo mas de interesse pessoal. Lembro-me de ter comprado "A nossa vida sexual" de Fritz Kahn como se se tratasse de um livro de Filosofia.
Também recordo com simpatia a casa das telefonias Telefunken, do Arcanjo, que nós cravávamos pedindo para levar um transistor (grande novidade da época) à experiência, para que a mãe o comprasse posteriormente. Durante muito tempo, porque éramos muitas, ouvíamos deliciadas, música gratuitamente. Claro que nunca surgiu a possibilidade da compra!
Ao anoitecer a Rua das Lojas animava-se com gente que ia ao cinema e ao café. Figuras marcantes do comércio, da arte e da política entretinham-se, noite fora, desenrolando as suas oratórias...
Traziam "à baila" todos os acontecimentos políticos marcantes, discutiam sobre os perigos provocados pelos veículos, que circulavam a velocidades excessivas em artérias estreitas colocando os peões em risco... quando ainda não havia epidemia de veículos motorizados e os peões andavam pelas ruas sem preocupações especiais...
Ornamentando a rua não faltavam figuras curiosas pelas "baldas", invulgares e extravagantes, como o Zezinho Beirão, rodeado de gatos e com o inseparável "Pepito", cão acrobata, que fazia a delícia da pequenada ao tentar apanhar a bolacha, presa por um fio suspenso numa cana de pesca. Matou-se o Zezinho quando, com idade avançada, o internaram num albergue...
Um grupo de engraxadores, na altura do Carnaval, vestia o colega "Marrequinho" de bebé, com uma touca na cabeça e uma chupa de pano na boca, metiam-no num carrinho e desfilavam com ele na Rua de Santo António pedindo dinheiro, que seria gasto nos "copos". Uma vez lembraram-se de o mascarar de gorila. Pintaram-no com tinta preta, vestiram-no com uma tanga de tecido peludo e meteram-no numa jaula. A tinta e o tecido provocaram tal alergia no "Marrequinho" que se despiu, ficando nu dentro da jaula.
Curioso de se ver, pela rua, era a maneira de agir dos ardinas.
Em correria desde a estação do caminho-de-ferro, tentavam ser os primeiros a trazer os jornais do dia. Alguns tinham os clientes certos e iam entregá-los porta a porta. Lembro o Fausto, o Mefa, o Macarrão, o Chico Beiçudo, o Joaquim cabecinha à banda, o João Pírula, o Larguito, os irmãos Albino e os conhecidos Pardal e Vieguinhas.
Vendedores ambulantes colocados em lugares escolhidos, vendiam sorvetes no Verão a 5 tostões (tão chorados junto da mãe) … ou a dez tostões um "mola abaixo", em dia de festa. De Inverno apareciam com castanhas assadas e pinhões torrados (vitamina P) abertos com um prego, o que nos entretinha durante longo tempo. Desses poderei recordar o José Martins, o Chico do Gambozino de Lagos, o Manuel conhecido por "Ruço", malcriado, e com os dedos das mãos cheios de anéis de ouro...
Para mim, o prazer máximo acontecia, quando na chegada do Outono, a rua ficava impregnada com o cheiro da castanha assada!
Ainda hoje, na altura em que os dias estão a minguar e entro na rua pela Tenente Valadim sinto, intensamente, o cheiro da castanha assada a levar-me aos tempos de menina e moça...
As narinas dilatam de prazer e de nostalgia!!!!!!
E sinto que o fim da VIDA não é a excelência, mas o sabermos encontrar a FELICIDADE!!!!!!!!!!!!!!!

IN Lina Vedes – “Faro à lá minuta”
Crónicas na 1ª pessoa - 2010

Colocado por Rogério Coelho
(NOTA: Dado o tempo que levou a digitalizar esta crónica, pela sua grande extensão, chamo a atenção para qualquer "gralha" que possa existir, com as minhas desculpas antecipadas à autora Lina Vedes, que autorizou a publicação no nosso Blogue)
O COSTELETA DO ANO É ...
Por João Brito Sousa


Não sei se faz sentido trazer aqui alguns nomes de costeletas que, pela sua postura, dedicação, tolerância e amizade ao blogue, disseram presente e fizeram coisas. Vou citar alguns nomes e nomear um. Sem ofensa, claro.

Aí vão:

ROGÉRIO COELHO - Intocável no seu posto. Dedicação, trabalho, paciência e competência. Fez o que pôde e bem. Está de pedra e cal. Por mim, tudo o que o blogue tem de bom e mau, passa por ele.

OUTROS:

JOÃO LEAL, deixou o seu cunho de jornalista, claramente, onde é realmente bom. Mas pode dar um bocadinho mais. Tantas histórias que ele sabe da cidade e não nos deu o prazer de com elas nos deliciarmos. João, por favor, uma de vez em quando, ok.

JORGE TAVARES - Grande fervor costeleta e muito exigente nos seus trabalhos. Pede-se mais regularidade porque tem potencial. E sabe.

ANTÓNIO ENCARNAÇÃO - O símbolo da dedicação. Fez os artigos que tinha que fazer; nem um a mais nem um a menos. Pede-se que mantenha a qualidade e regularidade.

JOSÉ ELIAS MORENO - Impecável a sua colaboração. Capacidade de crítica impressionante. Favor aumentar um pouco a produção de artigos. Prosador e poeta, dos bons.

MAURÍCIO SEVERO - O velho combatente é indispensável. Uma velha glória.
Sempre atento. Não é não; sim é sim. Chama-se a isto coerência.

ANTÓNIO PALMEIRO - O seu espaço está garantido. È só voltar.

ORLANDO AUGUSTO - Um pouco mais de proximidade ao blogue seria óptimo. Porque tem bons trabalhos. E o blogue precisa desse ar poético.

MARIA ROMANA - Boa colaboração.

MANEL INOCÊNCIO COSTA - Poeta e caçador. É um blogista que se dedica. Acho que está bem

NORBERTO CUNHA - Uma excelente aquisição vinda do jornal "oscosteletas". Pela sua dedicação, competência, sabedoria, ponderação e sentir costeleta, é um dos bons colaboradores, que merecia estar perto do Rogério para decisões de longo alcance, no sentido da melhoria do blogue. É O COSTELETA DO ANO.

ALBERTO ROCHA - Imprescindível na sua crítica construtiva.

Um abraço para todos.

jbritosousa@sapo.pt