As Crónicas da nossa Colaboradora e Escritora
Lina Vedes
A Estradinha Funda
Por
volta de 1946 alguns farenses começaram a ouvir falar da “estradinha
funda”. O auge do falatório estende-se pelos anos de 1950 e 60...
A estradinha funda era terra de ninguém,
estreita e comprida, compreendida entre dois muros altos que limitavam duas
quintas - a do Alto e a do Balão.
Situada atrás do Liceu de Faro e da capela
de Santo António, mesmo durante o dia, olhar para ela arrepiava. Era comprida,
estreita, nublada, entalada entre paredes caiadas, chão de terra batida repleto
de pedregulhos que dificultavam o andamento ágil. As paredes, encardidas pelo
tempo, expunham desenhos indecentes, palavras e palavrões, nomes próprios
masculinos e femininos dentro de corações mal riscados, frases curtas e
emporcalhadas, poemas, quadras soltas... Um manancial comunicativo, impróprio
para os olhos de qualquer cidadão comum.
Não tinha qualquer tipo de atracção, nem de
beleza, nem histórico glorioso do passado farense.
Os residentes em Faro, na altura do apogeu
da descoberta, passaram a saber onde se situava a estradinha funda e o que lá
se passava. A fama passou a ser maior do que o tamanho da dita.
O conhecimento do local talvez tivesse
começado por visitas ocasionais de pares de apaixonados, que escolheram o sítio
para descarregar o seu intenso amor!
O local não era bonito mas era discreto.
Ninguém se lembraria de passar por aquela língua de areia escura e pedregosa.
Era o sítio ideal para encontros ilegais e sigilosos.
Teria sido descoberta por algum casal de
amantes que passou palavra a outro e a outro... A procura do recanto amoroso
aumentou e o nome “estradinha funda” apareceu do nada!
Com o decorrer do tempo a fama subiu de tal
maneira que os concorrentes ao sossego o tornaram tudo, menos discreto.
Espalhavam-se ao longo da estradinha, não se olhavam quando se cruzavam e não
se conheciam quando se encontravam em locais da vida social.
Mas... Há sempre um mas...
A sociedade daquela época, masculina em
absoluto, atribuía à mulher um lugar secundário que elas, submissas, abraçavam.
Segundo Freud era o “complexo de castração’ era a educação da época! O pudor
dominava-lhes a vida!
As leis formuladas pelos homens cortavam
toda e qualquer exaltação.
Usando a artimanha de verdadeiros caçadores,
muitos homens, conseguiam alcançar “presas desprevenidas” não olhando a meios
para atingir os fins.
Esses tempos redutores empurraram mulheres para a “estradinha funda” e
não só, conquistadas pelo macho, iludidas, acreditando no amor que eles diziam
ser eterno.
A divulgação do que se passava, perto das traseiras da capela do Alto
alastrou, dando origem ao aparecimento dos “mirones” aqueles que espreitam a
vida alheia.
A certa altura o número de “espreitas” era superior ao número de pares
amorosos que, apanhados em flagrante, fugiam e, segundo consta, muitos restos
visíveis de amor interrompido foram encontrados à luz do dia.
Ao anoitecer uma romaria de mirones
dirigia-se para a estradinha funda.
Velhos já caquécticos, incapazes de amar no
presente e sem o terem feito no passado, iam espreitar procurando excitação
animalesca.
Buscavam, igualmente, saber quais as
pecadoras que se expunham a tal humilhação para poderem, à mesa do café ou ao
balcão de uma tasca, relatar factos vistos, com acrescentos impróprios e
indignos.
Esses velhos e os seus ouvintes pouco
aprenderam sobre a vida. Para eles já era tarde, para eles era impensável
elevarem-se acima do estado animalesco, Já não conseguiriam dar carácter ou
conteúdo humano às suas funções animais...
Os adolescentes masculinos tornados mirones
iam ao local por curiosidade. Inexperientes, pouco ou nada informados sobre
sexo, receando o acto sexual, procuravam aprender como agir... Vendo a mulher
como objecto de prazer!
Para eles, ao fim de algum tempo, a
curiosidade morreu e a estradinha funda fechou.
As mentalidades enobreceram. Rapazes e
raparigas passaram a encarar a vida com uma perspectiva diferente. A partilha
aproximava os casais. A vida em comum modificou-se.
Mas... Os anos continuaram a exercer a sua
influência...
De cambalhota em cambalhota chegámos a
modificações radicais.
Mulheres que passam a ser caçadoras, homens
caçados ou ainda, a troca constante de posição consoante o interesse ocasional.
Nesta confusão de valores muita gente voltou…
e continua, a percorrer caminhos escuros, emparedados e empedrados, uns atrás
dos outros, empurrando-se, pisando-se, tentando ultrapassagens ilegais...
Para esses poderemos perguntar:
- Onde está o céu azul do dia ou as estrelas
brilhantes da noite?
- Onde
fica a linha do horizonte, o murmúrio das águas, o tresmalhar do vento entre a
folhagem das árvores?
- Onde se encontra o vizinho amigo, o irmão, o
colega de escola ou de trabalho, o amor, a amizade, a mão amiga estendida ou o
abraço fraterno?
Lina Vedes
30 de
janeiro de 2o13
Foto da Estradinha Funda (de Lina Vedes)
Lembram-se?
NOTA: Cliquem sobre a foto para aumentar
ResponderEliminarLina, é evidente que me lembro...quem se podia esquecer dos primeiros beijinhos da juventude, considerando o raio de acção proibitivO de contacto entre raparigas e rapazes existente no Liceu e na Escola.
Boa lembrança.
JORGE TAVARES