Da Escritora e nossa Colaboradora, Lina Vedes, gostosamente publicamos.
Saber viver ...
No tempo de outro tempo ...
No meio
termo reside a razão
Mal abri os olhos para a vida, em 1940, iniciaram-me
na aprendizagem do “saber viver”!
Era necessário “beber chá” logo de pequenino. Chá, era sinónimo de
educação, que começava pelo treino diário da utilização adequada das expressões
– “obrigado(a)”, “ se faz favor”, “desculpe ou perdão”, ditas com um sorriso
nos lábios e um brilho no olhar.
Era necessário aprender essa ciência do “saber viver” a partir da
infância, interiorizando leis impostas pela sociedade da época.
Essas regras levavam-nos a “saber viver” sem incomodar ou melindrar o
próximo, encaminhando-nos para melhorar a maneira de estar em sociedade.
Ninguém queria ser apontado como menino(a) mal-educado(a), que praticava
ou dizia “coisas feias”, entendendo-se o termo, como pecadilhos de grande ou
pequena monta.
Preparavam-nos para sermos bem-educados na família, na escola, na rua,
usando boas palavras e atitudes exemplares. Éramos treinados e sabíamos que
educação era tão importante como o pão para a boca.
Não sei se havia algum manual de instruções. Sei que os meus avós haviam
moldado os meus pais, tal como tinham sido educados, e estes, por sua vez,
faziam o mesmo comigo... Sempre assim aconteceu ao longo das gerações...
A família, como célula da sociedade, tinha de ser unida e forte para se
defender dos perigos e para se resignar com as contrariedades - falavam os
pais, os professores, a igreja...
Ainda
recordo frases importantes que marcaram os meus
comportamentos:
-
a gentileza é indispensável;
-
um rosto carrancudo não gera amizades;
- temos de ser compreensivos, pacientes e
resignados.
Havia ainda a máxima – “as acções
transformam-se em hábitos, estes moldam o carácter que marcará o nosso destino.”
Não era fácil aprender ou, mais concretamente,
aceitar e cumprir as regras impostas. Em todas as situações,
antes de agir, tínhamos de pensar:
- Posso!?
Se nos esquecíamos e falhávamos, surgia a repreensão ou o castigo, que
poderia ser mais ou menos suave consoante a paciência do educador ou a teimosia
do educando.
Lembro-me, era bem pequena, da chegada de visitas a minha casa, perto da
hora do lanche. A mãe, disfarçadamente, manda-me comprar bolachas sortidas à mercearia
do Miguel Pires.
Levei o caderno onde se fazia o apontamento das despesas, a serem pagas
posteriormente, e esmerei-me na compra, seleccionando as que mais gostava.
Chego a casa, a mãe pega no cartucho das bolachas, diz às amigas que vai
pôr água ao lume para fazer chá de bela-luísa e dirige-se à
cozinha.
Sigo atrás dela, mais pelo “cheiro” nas bolachas, que são dispostas num
prato e aguardo a continuação dos acontecimentos.
Num tabuleiro forrado com um lindo pano de linho bordado, a mãe coloca
as chávenas, o açucareiro, os talheres e os guardanapos.
- Ajuda-me a levar tudo isto para a sala, que já venho buscar o bule -
diz a mãe.
Colocamos
tudo numa mesinha.
Fiquei de guarda, mas as visitas não se serviam das bolachas... impaciente
resolvo jogar a mão e tirar uma... e outra... e ainda outra, incapaz de parar!
Quando a mãe chega com o bule fumegante, ainda se encontravam duas
bolachinhas no prato.
Eu, de boca cheia, mal podendo mastigar, fui corrida dali com o olhar
fulminante que a mãe me jogou.
Não
mais esqueci este episódio.
As regras da maneira de estar à mesa eram as mais rigorosas e difíceis
de cumprir. Uma infinidade de obediências e... o pior que nos podia acontecer...
eram os ataques de riso!
A pontualidade nas horas das refeições
era rigorosa. Os homens eram os primeiros a serem servidos, sentados nos
lugares de honra.
As crianças obedeciam aos rituais de bons
modos:
- sentar direito na cadeira;
-
pôr o guardanapo no colo;
-
esperar que os pais comecem a comer;
- utilizar correctamente os talheres;
- comer com calma tudo o que está no
prato, mastigando com a boca fechada;
-
participar nas conversas só com autorização e de boca vazia;
-
não beber os líquidos sofregamente;
-
não soprar a sopa;
-
sair da mesa só no final da refeição.
Tínhamos, imperiosamente, de ser comedidos nos gestos e atitudes, no
vocabulário utilizado, na utilização de vestuário limpo e discreto... O nosso
comportamento tinha de ser exemplar, não só em casa como fora dela.
A mulher era a mais penalizada mas a mais “servida” pelo homem. Os
cavalheiros educados prestavam-lhe todas as honras, davam-lhe a primazia em
todas as situações.
Ao cumprimentar uma senhora tiravam o chapéu, as mãos da algibeira e
abotoavam o casaco. Facilitavam à dama os melhores lugares, prestavam-lhe
todas as deferências com elegância e demonstrando prazer.
Em simultâneo retiravam-lhe a vontade própria, ampliando o sentido de
obediência ao pai e ao marido.
Para elas existiam impossíveis aberrantes - o divórcio, o falar sobre
sexo, o sair sozinha, o fumar, o utilizar palavrões... A raiva, a zanga, a razão
tinha de ser abafada com um sorriso resignado.
Os homens eram pessoas de honra. Davam a sua palavra e cumpriam-na,
integralmente, sem haver necessidade de escrituras notariais. A sua palavra era
a sua honra.
O facto de, às vezes, visitarem outras mulheres mantendo as suas em casa
trabalhando para o bem-estar do agregado familiar, não beliscava a sua honra.
Pelo contrário, esse comportamento era aceitável e normal.
Posso jurar que éramos felizes porque acreditávamos no poder das
palavras gentis, no poder dos sorrisos, no poder da justiça, no poder dos
sonhos, no poder da imaginação.
Tudo
isso valia mais do que o dinheiro.
Acreditávamos que o mundo era justo e que todas as pessoas eram
honestas.
Manter estas certezas, vivendo na ignorância da existência da maldade
humana, era “saber viver”, era escolher uma vida morna e cinzenta.
Colocávamos a mente ao serviço do coração
tornando-a uma grande aliada.
Com o passar dos anos, através do tempo, reflicto e concluo, à luz da
minha experiência de Vida do meu “saber viver”.
- NO MEIO-TERMO RESIDE A RAZÃO!
Lina Vedes
22 de Fevereiro 2012
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