quinta-feira, 7 de julho de 2011

DIVAGANDO
Por João Brito Sousa

Apetece-me ir por aí. Já estou na estrada e não tenho destino. Não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí, como disse Régio no seu Cântico Negro. Tenho vontade de escrever e cá estou. Sem rede. São quase 17 horas e começo a sentir aquela sensação de perda de qualquer coisa, de que fala Saramago. Será a velhice a chegar?... pergunta ele. E eu também. A minha vida é a escrita.
Divagar… talvez sobre a vida, em geral. A vida sempre me fascinou. Pelo grande desafio que encerra, pelo mistério em que se envolve e nos envolve. A vida o que é ? É o silêncio das tardes, são as manhãs frescas é o marulhar das ondas, é o tudo e é o nada. É o poema Liberdade de Paul Eluard, é o cesto de pastéis e o assobiar de Gravoche a olhar a Bastilha a arder, é o amar perdidamente de Florbela Espanca, é o filme Zorba com Anthony Quinn, é o Há Lodo no Cais com Marlon Brando, é o Leão da Estrela com António Silva, é Amália a cantar o fado, que tanto gosto de ouvir. Silêncio que se vai cantar o fado. Há festa na Mouraria, almas rudes povo crente, hoje é dia da procissão, da Senhora da Saúde, e até a Rosa Maria, parece que tem virtude.
O silêncio é a própria vida e é a minha maior tentação. Refugio-me nele e adormeço, por vezes. Mas não há silêncio porque ainda há palavras, que mesmo gastas, gastam-nos. E mentem e ferem. As palavras, essas ferramentas que são património dos escritores, que, se deitam com elas, dormem com elas e acordam com elas.
E depois há as flores do jardim e da vida que nós amamos e nos amam. Ou nem sempre isso acontece, porque o amor nem sempre desempenha o seu papel. Não agarra como devia. Amei e julgava que me amariam, mas não fui amado, porque não tinha de ser, diz Pessoa.
Falar de quê mais? Do homem, que tem evoluído tão pouco e que tem mostrado tanta ignorância, tanta falta de honradez, tanta falta do cumprimento dos princípios éticos.
E eu o que sou no meio disto tudo ? Sei apenas que habito neste palco onde todos representamos A vida é uma comédia. Ou talvez não.
Tenho saudades do futuro disse Teixeira de Pascoaes. E Juan Manuel Serratt disse, esta noche pago yo, e Manuel Alegre escreveu Cão Como Nós e as agências de rating chegaram e desclassificaram-nos. Só me apetece morrer disse, Herculano.
Cheguei ao fim desta crónica, penso que em dificuldades Terá sido ?

jbritosousa@sapo.pt

4 comentários:

  1. Boa Noite,

    Gostei muito desta sua "fantasia". Parabéns!

    Cumprimentos

    AGabadinho

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  2. João:
    Uma vez fui ao Stella Maris em Leça da Palmeira, buscar uns quantos livros emprestados,para ler durante uma longa viagem.
    A simpática bibliotecária, talvez porque notasse em mim a nostalgia do marínheiro que deixa mulher e filhos, e sem ter escamas nem barbatanas,solitário se vai fazer ao mar,sugeriu-me que levasse também o "SÓ" do António Nobre.
    Embora já tivesse uma vez, por sugestão da minha professora de Português, Dª Mª José Chamiço Guilherme, tentado a sua leitura, sem conseguir ir além do prefácio e duas ou três estrofes, não quiz desta vez ser desagradável à competente bibliotecária.
    Levei o António Nobre para o meu beliche, e lá estava:
    Cuidado, não vos faça mal.
    É o livro mais triste,
    que há em Portugal.
    Voltei ao Clube dos Homens do Mar, e discretamente, pedi ao Barman, que no dia seguinte, depois das seis da tarde, e da saída do "Amboim" entregasse aquele "SÓ" à simpática zeladora da cultura literária dos marinheiros de alto mar.
    Tal como a ti,também a vida me fascina.
    Por isso, façamos tudo o que estiver ao nosso alcance para que não fiquemos com a sensação de terminar a crónica em esforço.
    Com apreço.
    gde abraço
    JEM

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  3. João,

    Há muita tristeza neste texto...ânimo meu amigo.
    Tens a felicidade de estar sempre acompanhado dos teus, com a tua prosa, a tua poesia e embora à distância, os teus amigos que te apreciam e tudo o que sabes escrever (real ou ficcionado).
    Bem hajas pelos momentos que nos propocionas quando lemos o que escreves.
    Um abraço
    jorge tavares
    costeleta 1950/56

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  4. João
    Este texto trás água no bico.
    "A la recerche du temps perdu"
    tou certo ou tou errado?....(como dizia o senhorzinho Malta)
    Tanta nostalgia velho.... fica-te bem;aliás fica-nos bem...sinal que ainda cá estamos e que os sentimentos não morrem...esmorecem!

    Abraço

    Diogo

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