terça-feira, 19 de julho de 2011

O MEU CABELO
Alfredo Mingau

Faz pouco mais de um mês, talvez dois, que eu cismei em precisar de cortar meu cabelo. Uma cisma completamente fundamentada porque meu cabelo já havia chegado a insustentáveis 25 centímetros; sim, eu meço meu cabelo com fita métrica. Há quem meça cintura. Eu acho bem menos traumático medir cabelo. E tenho cabelo demais, e ele cai demais, comprido, quase em cima do ombro, desgrenhado, incómodo demais. Por onde eu passava, eu deixava o meu rastro capilar de 25 centímetros e, grande como estava, nem adiantava eu jogar a culpa na cabeça de outra pessoa, como eu costumo fazer quando ele está num tamanho razoável. Para dormir, um sacrifício. Cheguei a acordar algumas noites devido a um pesadelo que se repetia, com cobras me sufocando pelo pescoço. Abria os olhos e via que era o cabelo. Antes fossem cobras! Sem falar do factor estético e principalmente do calor sufocante nestes dias de Verão. Culpa minha, reconheço. Depois de fazer duas lavagens por semana, ir à praia seis vezes em dois meses, era praticamente impossível que não chegássemos a esse estado de calamidade. Passei a evitar espelhos e, quando olhava sem querer, levava um susto. Já não estava mais me reconhecendo.

Bom, talvez vocês já estejam se perguntando: "então por que diabos você não foi cortar esse cabelo?". Por causa da famigerada falta de tempo, por causa desse ciclo vicioso chamado espaço da vida que, às vezes, sempre agarrado ao computador, não dá brecha para coisas que não fazem parte do meu quotidiano-tipo, cortar o cabelo. E aí teve uma semana em que eu estive de cama, outra semana em que eu viajei, outra em que eu estive cobrindo um congresso musical. Quando me dei conta, já estava há semanas nesse sofrimento. Mas sábado passado eu bati o martelo e avisei para mim mesmo: desse final de semana não passa. Marquei com o cabeleireiro; odeio escrever esta palavra e fui.

- Corta, por favor. No mínimo, dois dedos de travessa. À “escovinha”. Avisei decidido.

- Você tá doido? Seu cabelo tá lindo, parece um maestro a dirigir a orquestra sinfónica!
Ai, era só o que me faltava. O cabelo é meu e eu faço dele o que eu quiser. Que cabeleireiro mais apegado!

- Não, ele cresce rápido. E dois dedos de altura nem são tanto assim. Pode cortar.

- Tudo bem, mas… quatro dedos de altura?

- Não! Dois dedos porra!

- Dois dedos da sua mão ou da minha?

- Não me aborreça, pode ser da sua mão que é maior. E não quero franja.

E, então, cheio de dor no coração, ele cortou. Que alívio. Que fresquinho. Quando me levantei da cadeira eu me sentia 200 quilos mais leve. Acho que saí do salão flutuando e talvez tenha até sorrido para umas desconhecidas na rua. Nem fui para casa. Passei no Forum para comprar alguma coisa que combinasse com meu novo cabelo. "Meu Deus, por que eu não me proporcionei essa alegria antes?", era o que eu me perguntava. Porque nós somos bobos e, quase sempre, nos esquecemos que a alegria está nas pequenas coisas.

Depois do Forum fui, enfim, para casa. Mostrei empolgado o novo corte para minha mulher e ela, com um sorriso também adorou. Como não? Do jeito que meu cabelo estava antes, qualquer um adoraria. Até um amigo, que encontrei no Fórum, notou que eu havia cortado o cabelo. O que era um bom indicador de que, realmente, havia feito diferença.

Então fui para o banheiro, namorar meu novo visual no espelho. E quando eu me encarei fixamente, chorei de arrependimento. E soluçando gritei:
“Porra! Quero o meu cabelo de volta!”

4 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Meu caro AM
Pelo que noto o Mingau parece ter voltado ao género com que nos proporcionou na sua entrada como colaborador deste blog.
Aquelas histórias que a todos agradaram.
Esperemos.
Um abraço
Rogério

Anónimo disse...

Meu Caro AM.

Viva,

Escrever uma crónica como esta não está ao alcance de muitos.

Não é o meu estilo, mas obriga-me a reconhecer que há nela mão de mestre, ou, diris mesmo, de artista.

O Alfredo, nestas crónicas, onde para as perceber, tem que se entender o que está por de traz das palavras, é mesre.

Aqui não sou forte.

Atrevi-me a comentar este trabalho, por ver nele coerência de princípio a fim, força estética,respeito, amizade e lealdade ...

Consegui ver isto, mas não percebi a direcção do texto.

Que a deve ter.

Vou esperar por outros "coments".

Ab.
JBS

Anónimo disse...

Meu caro João
Pois é... está por trás, ou nas entrelinhas...
Claro que percebes,
"Trata-se de um desejo concretizado, mas insatisfeito"
Aí está, insere-se no "ciclo" analógico dos textos anteriores.
Aceitas?
Um abraço
Alfredo Mingau

Anónimo disse...

Ao AM,

Viva.

Sim, aceito do ponto de vista que um autor é sempre um insatisfeito.

Eu escrevi um soneto sobre esse tema onde digo pecisamente isso.

Ok.

Ab
JBS