SONHANDO
O homem passa as páginas do livro com ligeireza, como se a leitura não fosse senão uma lembrança de algo já conhecido, versículos dos seus próprios familiares, anunciações e epifanias previstas.
Mais concentrado na comodidade do cadeirão, no calor do rescaldo e na forma exacta em que as coxas se moldam ao assento.
Também a luz é perfeita: projectando-se a partir do candeeiro de pé, envolve-o num círculo. O resto do quarto está na penumbra, o que faz ainda mais intimo o reconhecimento, a solidão ainda mais acolhedora.
Questiona-se sobre a possível duração da placidez como pelo inevitável fim da melodia que ouve com deleite. Quando acabar poderá faze-la tocar de novo?
O “cheiro” começa-se a aglomerar no lado da penumbra, como se competisse com o círculo de luz. O “cheiro” intensifica-se pouco a pouco, numa escala em que os graus aumentam com a passagem da música que já não ouve.
E o “cheiro” ganha forma.
Da penumbra do compartimento, com um sorriso aberto que mostra muito bem a brancura dos dentes, senta-se na poltrona em frente e olha, concentrada não nos olhos mas sim no homem inteiro, com o olhar que se sabe observada.
Ela está despida e ele olha para a sua carne, cinzenta na penumbra, e sabe que os seus mamilos não são rosados mas sim avermelhados.
O homem olha e cheira-a. Ela larga o seu “cheiro” e ele inspira-o recebendo a oferta dela.
O ritmo deste intercâmbio cresce como a febre, e tem um clímax e um final.
Quando ela fica satisfeita, volta a sorrir e a mostrar os belos dentes brancos.
A imagem desvanece-se, e o homem, tenso como um arame, sente como o livro cai no chão. Arqueja no cadeirão, sua e geme. E o suor que, a pouco e pouco, lhe devolve a memória. E acorda.
Procura, mas a imagem volatilizara-se e, no entanto o “cheiro” permanece no quarto. Põe-se de pé alucinado pelo sonho. Sai de casa e senta-se sobre a frescura da relva do jardim e cheira-se a si mesmo. E no cheiro do sonho reconhece agora o seu íntimo cheiro.
Alfredo Mingau
Meus caros amigos
Com a publicação deste texto, entendo que devo fazer um interregno na minha colaboração.
Não pretendo “açambarcar” o blog com as minhas criações.É necessário que apareçam outros.
Inté
AM
Para tomar tal decisão,
ResponderEliminarSe outra razão houvesse,
Então sim, haveria razão,
Mas açambarcar, não parece
RC
Caro Alfredo Mingau:
ResponderEliminarIa hoje mesmo dar por terminada a "desgarrada" com que nos temos vindo a divertir nos Comentários à tua; Morte Lenta ( História de Ficção), publicada no dia 22/10.
Agora ao tomar conhecimento da tua intenção de interromper a tua colaboração no blogue após o "Sonhando" de hoje, vejo-me na contingência de terminá-la, não com as Sete mas simplesmente com duas das quadras que compunham a minha resposta ao teu poema de 24/10/2010.
III
Se preferes a discrição,
tenho então eu o dever
de parar com a emoção
que o diálogo estava a ter.
VII
Mas dou-te os meus parabéns
pela tua galhardia,
Pelas qualidades que tens,
Que a gente tanto aprecia.
Gde Abraço
J.Elias Moreno