terça-feira, 26 de outubro de 2010



O VELHO E A GAIVOTA
Por João Brito Sousa


Estava um bonito da de sol de Novembro.
Lembrei-me que os velhos gostam de, nestes dias, ir sentar-se nos bancos do jardim e conversar ou jogar às cartas. Não tendo eu nada que fazer nessa tarde de sábado, meti-me ao caminho, com a preocupação de ver coisas, mesmo que fosse obrigado a olhar para o ar, assim num estilo de nariz empinado. E é curioso o que a gente descobre, caminhando devagar pelas ruas e deitando o olho aqui e acolá. Há sempre uma escultura, pequena que seja, que nós nunca vimos e já lá passamos trezentas vezes, há um batente de porta com um desenho que agora nós encontramos piada e ficamos a olhar, há uma argola onde se prendiam os animais que já lá está há cem anos e que eu nunca tinha visto. E parei para ver. E que recordações me vieram à cabeça.
Cheguei ao jardim entretanto e lá estavam eles. Vários bancos do jardim enxameados de velhos enxutos, que conversavam ruidosamente. Mas reparei que num dos bancos estava sentado apenas um cavalheiro, razoavelmente bem vestido, talvez tenha sido contínuo num Banco, sabia lá eu.
Dirigi-me a ele e dei-lhe as tradicionais boas tardes. Olá, como está o meu amigo. Boa tarde, disse eu.
O meu hipotético companheiro de tarde não respondeu logo, mas acabou por dizer.
- Estou a olhar a gaivota. Você já observou para a paciência daquela ave. Está ali imóvel naquele telhado e eu a pensar no que estará ela a pensar. E será que elas pensam? Mas, se pensam, pensam em quê ? Terão filhos desempregados, terão ido para o estrangeiro, o que é que vai naquela cabeça, afinal? Terão cabeça naquele significado clássico que nós lhe atribuímos?
Este velho está noutra, pensei. Mas tem interesse falar com ele, saber a sua experiência, o que é que fez de interessante, gostará ele ou não da vida. Mas pergunto-lhe ou não.
O velho antecipou-se e disparou: qual foi o seu maior desgosto? Teve desgostos na vida? Pois eu tive, sabe. E isso não me sai da cabeça e por isso venho para aqui e deixo de pensar nesse meu problema.
- Mas é grande?
- O quê, perguntou o velho.
- É o maior de todos, não há problema maior do que esse que eu tenho. Mas tenho fé em que vou resolvê-lo duma maneira ou doutra. Um dia saberá.
E a gaivota acabou de sair do seu posto e o velho disse: Aquela gaivota vem aqui todos os dias e eu venho ver se ela está. No dia que ela não vier é porque morreu. E é nesse dia que eu vou resolver o assunto. Um dia saberá...
Mas o senhor já pensou que um dia a gaivota vem e o senhor não.
Já pensei sim senhor, mas se for assim está o assunto resolvido.
Como assim? perguntei
Fui eu que morri.
E fica resolvido o problema. Qual é o problema?
Venha cá no próximo sábado. Pode ser que a gaivota venha também. Gostava que o senhor viesse todos os sábados até que eu ou a gaivota não venhamos.
Ou eu, disse.
No próximo sábado cá estaremos, disse o velho.
E diz-me qual é o problema que o aflige?
.
jbritosousa@sapo.pt

3 comentários:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Gostei da história.
Para muitos, é o que se passa com a idade. O banco do jardim. A recordação, a saudade e dois dedos de conversa.
A gaivota fez-me lembrar o "Café Coreto". ali junto à doca, onde uma gaivota vai pousar todos os dias, várias vezes, em cima do suporte das correntes de fero e olha para dentro do café à espera que os empregados lhe dêmm a comida.O dono do café, o amigo Jorge, diz que ela se chama Vitória e não tem receio das pessoas quw passam.
Rogério

Anónimo disse...

Caro João,
Queridos velhotes,
Jovens setentões da minha idade:

Bom dia, ou boa tarde.
Qualquer hora é boa para falar com vocês.
Isto não era para contar, mas eu não tenho segredos (por isso durmo descansado),muito menos para vocês.
Um dos meus passatempos favoritos é-sempre que a ocasião proporciona-falar com pessoas de idade e aparentemente solitárias.Não procuro intencionalmente tais momentos, mas qualquer coisa me atrai para essas situações.
A minha velhota, que há dias completou noventa e cinco, tem a mesma mania.Vive na sua casa, que ainda cuida e embeleza com flores do seu jardim, e pede-me muitas vezes que a acompanhe aos Lares e Casa de Repouso para visitar e aliviar da solidão, com um bocado de convívio, pessoas suas amigas.
Quando saio daquelas matinés, o meu coração vem apertado, o meu espírito baralhado e confuso e a minha consciência de Homem nem por isso mais aliviada.
A minha neta Susana, quando no ultimo Natal, lhe perguntei que presente gostava que o Menino Jesus lhe pusesse no sapatinho, respondeu-me:avô,brinca comigo.
Eu peço aos Homens meus amigos,que apareçam no cais ,para desejar boa viagem aos que solitáriamente aguardam a partida, antes da gaivota.
Bons Voos.

Abraços
J.Elias Moreno

Anónimo disse...

Meu Caro Zé,

Viva,

UM POEMA

Para o teu comentário
Um autêntico poema
Aquí deixo expressamente
Uma vontade enorme de te abraçar
E de te dizer: Como é bom
O teu coração.
Palavras para te dizer, poucas
Mas tenho uma canção,

MY WAY

Como eu te vejo dentro dela
Atento a tudo e a todos
Sempre com bons modos

A vida, tu e ela
São de relação fraterna
Dão um ao outro conselhos
E tu dormes sosssegadamente
Sobetudo, se estiveste
A conversar com os velhos
Ou se a tua neta te disse
Brinca comigo avô.

E os 95 da tua mãe?

Apenas

MY WAY.

Um ab.
JBS