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GENTE DO PASSADO
«O TIO BICHALHÁ»
É uma figura incontornável da vida citadina na primeira
metade do século XX. Fazia parte do quotidiano vivente, ao fim
e ao cabo aquele que, «com sangue, suor e lágrimas» faz em
todos os dias a história viva de cada dia.
Era no tempo em que a rede domiciliária de abastecimento
de água não abrangia toda a cidade, mesmo zonas cêntricas,
como era o caso das casas em que morámos, durante décadas,
na Rua Infante D. Henrique (nºs 96, 13 e 11). O precioso líquido
era-nos chegado pela entrega, domicílio a domicílio pelos
aguadeiros que se faziam transportar em típicos carros puxados
por muares. Deles existe um exemplar, à escala natural, no
Museu Etnográfico Regional, na Praça da Liberdade, à Pontinha.
O carro era todo forrado com cortiça, a fim de evitar que os
cântaros que transportavam a água, se partissem. O
abastecimento era feito em bicas existentes dos hoje
desaparecidos poços do Jardim de São Pedro e dos Largos de
São Sebastião e de ao Pé da Cruz.
Eram vários os aguadeiros, mas a minha memória de
figuras e factos do «Faro dos Tempos Idos» apenas comporta a
do «Tio Bichalhá», que outro nome lhe não conheço e duvido
que, hoje, haja quem o saiba. Operoso, modos algo bruscos,
forte bigodaça, parecia um soldado romano na quadriga quando
conduzia o seu «carro da água». Moço que o era (2, 3 anos)
tinha um certo receio do lembrado «Tio Bichalhá» e das suas
promessas agressivas. É que no Verão usava apenas uma
camisolinha de alças que não cobria o pendente sexo. Então o
solícito aguadeiro dizia, perante o meu pavor e a corrida em
busca de poiso seguro: «ah, malandro, que tenho aqui uma
navalha, para te cortar a minhoca»!
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