terça-feira, 11 de abril de 2023

CRÓNICA DE FARO JOÃO LEAL

L


GENTE DO PASSADO

«O TIO BICHALHÁ»

É uma figura incontornável da vida citadina na primeira

metade do século XX. Fazia parte do quotidiano vivente, ao fim

e ao cabo aquele que, «com sangue, suor e lágrimas» faz em

todos os dias a história viva de cada dia.

Era no tempo em que a rede domiciliária de abastecimento

de água não abrangia toda a cidade, mesmo zonas cêntricas,

como era o caso das casas em que morámos, durante décadas,

na Rua Infante D. Henrique (nºs 96, 13 e 11). O precioso líquido

era-nos chegado pela entrega, domicílio a domicílio pelos

aguadeiros que se faziam transportar em típicos carros puxados

por muares. Deles existe um exemplar, à escala natural, no

Museu Etnográfico Regional, na Praça da Liberdade, à Pontinha.

O carro era todo forrado com cortiça, a fim de evitar que os

cântaros que transportavam a água, se partissem. O

abastecimento era feito em bicas existentes dos hoje

desaparecidos poços do Jardim de São Pedro e dos Largos de

São Sebastião e de ao Pé da Cruz.

Eram vários os aguadeiros, mas a minha memória de

figuras e factos do «Faro dos Tempos Idos» apenas comporta a

do «Tio Bichalhá», que outro nome lhe não conheço e duvido

que, hoje, haja quem o saiba. Operoso, modos algo bruscos,

forte bigodaça, parecia um soldado romano na quadriga quando

conduzia o seu «carro da água». Moço que o era (2, 3 anos)

tinha um certo receio do lembrado «Tio Bichalhá» e das suas

promessas agressivas. É que no Verão usava apenas uma

camisolinha de alças que não cobria o pendente sexo. Então o

solícito aguadeiro dizia, perante o meu pavor e a corrida em

busca de poiso seguro: «ah, malandro, que tenho aqui uma

navalha, para te cortar a minhoca»!

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