sexta-feira, 8 de outubro de 2010

FRANKLIN MARQUES, Poeta com “P” Maiúsculo
Por Norberto Cunha

Que a par dos textos para “O Costeleta”, ele também “escrevia versos”, era, desde há muito, do meu conhecimento. Que nessas composições se manifestasse algo mais que a capacidade e pertinência expressiva; que a arte do ritmo, da métrica e da rima, comecei a suspeitá-lo quando, em boa hora, o João Leal apelou à publicação da poesia inédita do saudoso “costeleta”. Agora, que acabei de ler “O Livro”, (assim se intitula a recolha de poemas e outros escritos editada pela parceria C.M.F./ AAAETC), a minha suspeita transformou-se numa certeza que a excede. De facto, os poemas do Franklin (em particular a maioria dos reunidos no capítulo “Momentos”) são a revelação de um poeta maduro, culto, inteligente e sensível, seguro dos seus processos criativos. Pena é, para nós que só agora temos o prazer de lê-lo, que ele não os tivesse publicado no tempo em que poderíamos felicitá-lo, estimulando-o a escrever mais… Porém, não importa já a extensão da obra que nos deixou. Também a de Cesário Verde coube toda num só livro. Importante sim, é a autenticidade da sua poesia, a sua limpidez, a sua economia discursiva de melódica ressonância, a fluência e elegância de um dizer só na aparência simples mas pleno de sentido e de comunicabilidade imediata. E tudo isto, se não mais, de braço dado com uma visão do mundo, das coisas, do tempo e de si mesmo, que reflecte o admirável ser humano que ele foi. Não sou crítico literário e mesmo que o fosse não seriam este espaço e momento os mais apropriados para fazer uma análise exaustiva, erudita e “técnica”, da poesia do Franklim. Não me privo, no entanto, de, pelo menos, destacar em breves traços a sua pluralidade temática e a diversidade de géneros/estilos que a integra. O amor (Lírica) e a vida (Inquietação Existencial) são os objectos poéticos eleitos pelo autor para exprimir as mais constantes e interiorizadas das suas vivências. E, em meu entender, é precisamente quando ele se ocupa de tais temas que a sua poesia atinge o patamar mais elevado. Atente-se, por exemplo, nos dois belíssimos poemas, um de pendor existencial e outro lírico, que transcrevo: (Sem Título) “E assim reparto a vida / entre o ser e o não ser. / Alma toda dividida: / dois pedaços sem medida / um de querer e um de não querer // E aqui fico. Cá estou, / sem razão e sem motivo. / Se parto…daqui não vou , / pois só dentro do que sou / posso dizer que estou vivo. // Quem me dera um dia ser / um todo, a mim todo igual! / E, finalmente, dizer / que, entre um querer e um não querer / estou eu, inteiro, afinal.” (Pg.17); (Sem título) “E ali fiquei atónito, varado, / emudecido, vazio o pensamento / como se o tempo houvesse, então, parado / e dele só restasse esse momento. // Segui-te. Um olhar amargurado, / misto de desejo e desalento / te acompanhou. Em ti ficou pousado / como que preso a um deslumbramento. // Veio o acordar. E eis que lá no fim / da rua te esvaías, se não quando / teu nome me acudiu… e murmurei-o. / Eco que teve, teve-o só em mim. / Débil murmúrio, leve foi tombando / na inerte calçada do passeio.” (Pg.42). Poeta versátil, o Franklin jogou, e bem, com diferentes modelos clássicos de versificação/tema (até ao estilo épico recorreu — “A CRIAÇÃO DE FARO”, Pg 177) e não menosprezou a herança vicentina nem a tradição da poesia popular. A intencionalidade e a tonalidade expressiva que caracterizam estas, também vamos encontrá-las em muitas das suas composições. Designadamente, em algumas do Capítulo I e nas que integram os III. IV e V. São quadras soltas; produções que enformam um despique ocorrido ou inventado; escritas para teatro/revista; compostas a propósito de um acontecimento ou de um encontro; e muitas outras. Aqui já não se trata tanto de exprimir sentimentos, emoções, ou vivências, reais ou imaginárias, mas, na maior parte dos casos, de descrever e comentar momentos do quotidiano, suas rotinas mais ou menos aprazíveis, seus rituais, percalços, equívocos, pequenos dramas e comédias, ou de caricaturar amigos e celebrar figuras populares. E todo este acervo é pautado ora pela bonomia e saudosismo do autor; ora pelo humor, pela ironia, por vezes pela malícia, a conotação erótica, fazendo-nos lembrar o mais consagrado dos poetas populares do Algarve e do país. Duas quadras apenas, para ilustrar a comparação: “Não vês canalizador / minha amiga, há quantos anos? / Se quiseres, é sem favor / que eu te desentupo os canos” (1ª quadra de TÁ O MAR FÊTO NUM CÃO, Pg.94; “Este ano não me afoito…/ A idade não me aumenta! / Tenho hoje sessenta e oito: / pró ano faço setenta” (4ª. Quadra de SÚPLICAS E QUEIXAS, Pg.95). Pelo meio, no Capitulo II (Memórias – Prosa), com uma escrita escorreita e em tom coloquial, o nosso poeta relata-nos sucessos e costumes “daquele tempo”, descreve-nos recantos de Faro, evoca personagens e situações vividas, dando-nos, enfim, todo um retrato plurifacetado da cidade “costeleta” dos anos quarenta/cinquenta.• Foi com imenso prazer, júbilo até, e alguma saudade, que página a página percorri “O Livro”. Por isso o recomendo a todos os “costeletas” e não só, convicto de que não lamentarão o dispêndio nem darão o tempo por perdido.