Por João Brito Sousa
Apetece-me ir por aí. Já estou na estrada e não tenho destino. Não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí, como disse Régio no seu Cântico Negro. Tenho vontade de escrever e cá estou. Sem rede. São quase 17 horas e começo a sentir aquela sensação de perda de qualquer coisa, de que fala Saramago. Será a velhice a chegar?... pergunta ele. E eu também. A minha vida é a escrita.
Divagar… talvez sobre a vida, em geral. A vida sempre me fascinou. Pelo grande desafio que encerra, pelo mistério em que se envolve e nos envolve. A vida o que é ? É o silêncio das tardes, são as manhãs frescas é o marulhar das ondas, é o tudo e é o nada. É o poema Liberdade de Paul Eluard, é o cesto de pastéis e o assobiar de Gravoche a olhar a Bastilha a arder, é o amar perdidamente de Florbela Espanca, é o filme Zorba com Anthony Quinn, é o Há Lodo no Cais com Marlon Brando, é o Leão da Estrela com António Silva, é Amália a cantar o fado, que tanto gosto de ouvir. Silêncio que se vai cantar o fado. Há festa na Mouraria, almas rudes povo crente, hoje é dia da procissão, da Senhora da Saúde, e até a Rosa Maria, parece que tem virtude.
O silêncio é a própria vida e é a minha maior tentação. Refugio-me nele e adormeço, por vezes. Mas não há silêncio porque ainda há palavras, que mesmo gastas, gastam-nos. E mentem e ferem. As palavras, essas ferramentas que são património dos escritores, que, se deitam com elas, dormem com elas e acordam com elas.
E depois há as flores do jardim e da vida que nós amamos e nos amam. Ou nem sempre isso acontece, porque o amor nem sempre desempenha o seu papel. Não agarra como devia. Amei e julgava que me amariam, mas não fui amado, porque não tinha de ser, diz Pessoa.
Falar de quê mais? Do homem, que tem evoluído tão pouco e que tem mostrado tanta ignorância, tanta falta de honradez, tanta falta do cumprimento dos princípios éticos.
E eu o que sou no meio disto tudo ? Sei apenas que habito neste palco onde todos representamos A vida é uma comédia. Ou talvez não.
Tenho saudades do futuro disse Teixeira de Pascoaes. E Juan Manuel Serratt disse, esta noche pago yo, e Manuel Alegre escreveu Cão Como Nós e as agências de rating chegaram e desclassificaram-nos. Só me apetece morrer disse, Herculano.
Cheguei ao fim desta crónica, penso que em dificuldades Terá sido ?
jbritosousa@sapo.pt