NOVE ANIMAIS FALAM
Há
muito juntaram-se à beira dum rio,
Numa floresta intensa, em noite de luar,
De um inverno tempestuoso e muito frio,
Nove magníficos animais para falar.
Acampados debaixo de árvores milenárias,
Algumas com mais de duzentos metros de altura.
Animais da mais diversa cultura.
Lá estava a abelha como a primeira,
O leão – rei corajoso e valente,
O burro, também célebre à sua maneira,
Rente ao chão a traiçoeira serpente.
O mocho num grande arbusto empoleirado.
Olhar arguto e penetrante, bicho inteligente,
Num ramo baixo o rouxinol com o seu trinado,
No chão uma lebre, que parecia estar doente,
Aos pulos o pisco-de peito-ruivo cantava,
Ele era o grande tenor da companhia,
Com grande reportório encantava.
Toda a assembleia, que deleitava o ouvia?
De cor castanha. Mais clara ou mais escura,
Lá estava também o nono animal,
Com mais de dois metros de envergadura,
De todos bem conhecido – era a águia real.
Já então todos apresentados estando,
Disse o mocho tomando a palavra:
Amigos é hora de irmos começando,
A falar do que combinado estava.
Eu, com isenção, o debate moderarei,
A abelha, poderá como primeira começar,
Também tirar a palavra a qualquer poderei,
Se ultrapassar as normas ao contestar.
Com voz doce e suava a abelha falou:
O homem é o mais célebre animal da criação,
Assim foi sempre desde que o mundo começou,
Inteligente, corajoso, forte como um leão.
Ouvindo isto, logo a lebre retorquiu;
Sim, o homem tem muita qualidade,
Todos o afirmam – e ninguém mentiu,
Sejamos justos – essa
a grande verdade!
É também um ser de muita liberdade,
E sobretudo, sabe muito bem falar.
É abnegado, corajoso, uso da caridade,
Para os mais sofredores ajudar.
Peço a palavra, disse o leão;
O homem também tem grandes defeitos;
Muitos são cobardes e usam de traição,
Tudo para atingir os seus efeitos,
Muitos são demagogos – enganam,
Com mentiras os seus semelhantes,
E, no final, disso mesmo se ufanam,
Negando agora o que afirmaram antes.
Alto aí diz agitando a cauda a serpente,
Há alguém que se considere perfeito?
Também eu agarro e até cravo o dente,
Nalgum desgraçado, que apanho a geito.
A isso chama-se há muito saber viver!
Pois os incautos têm fraca mente,
Que é que se lhes há-de fazer?
Enganá-los é o nosso grande dever!
Concordo com essa tese disse a águia-real,
Homens violentos, odiosos, guerreiros,
Eles não se importam de fazer o mal,
Têm valia – querem ser sempre os primeiros!
Então pisco disse a cantar,
Numa toada elevada, que convencia:
Do que oiço não estou nada a gostar,
Tudo muda, tudo é transitório, hoje em dia.
O homem é um artista, ele faz a lei,
Que governa os povos, para o bem,
Ele combate a doença, em defesa da grei,
A lei fica, um homem vai e outro vem,
Ele corre, ele viaja, ele pratica o sexo,
Ao fim e ao cabo, é como nós,
Também às vezes faz coisas sem nexo,
Tal como nós, tal como os nossos avós.
Ouvindo o seu camarada a trinar,
O rouxinol encheu-se brios e disse:
O homem é um bicho de recear,
Essa é uma verdade “à La Palisse”,
Ele investiga a galazia, o trovão,
Estuda a molécula, o ADN e o “quasar”,
Tudo isto é uma grande paixão,
Ele esfalfa-se a fazer isso sem parar.
O rouxinol tremeu e parou de falar,
Ao ouvir um potente e formidável zurro,
E tremendo ainda se atreveu a olhar,
A tempo de ver avançar o burro,
Que com voz grossa assim perorou:
O homem de que falamos é um enigma,
Ele tanto a guerra faz, como a paz assinou,
Tanto é caridade como um estigma,
Tentemos compreende-lo na sua diversidade,
Nunca conseguiremos entende-lo bem,
Seja em criança, seja com mais idade.
Paremos, disse o mocho, vou a sessão encerra,
São horas de irmos todos descansar,
Muito, muito mais haveria a falar,
Prometo - noutro dia iremos continuar!
Autor: Manuel Inocêncio da Costa
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