sexta-feira, 3 de julho de 2020

CRÓNICA DE FARO - JOÃO LEAL





               O «FAÍSCA ALFAIATE...»

              De tipo pouco corpóreo, mesmo algo franzino, duas companheiras que o eram de todo e qualquer instante, a fita métrica para as mediações do humano freguês a quem se destinava a fatiota nova e o cigarro ou, melhor, a sua reduzida ponta, ao canto da boca. Enquadrava-se numa clássica janela, tipo guilhotina, num rés-do-chão da aristocrática Rua de Santo António, «gran via» ou «calle mayor», capital que o era e é da cidade maior do Garbe. Por ali o velho e clássico ferro de engomar a carvão, que os eléctricos ou a vapor ainda estavam por chegar...
             Era o sr. Faísca, alfaiate, conhecido «mestre tesoura e agulha», filósofo e conversador, que dava trocos e voltas à malta estudante da década de cinquenta da centúria ida. Fazia parte de uma classe que, em Faro, teve muitas e reverentes excelências, alguns com fama por esse Algarve ou, mesmo, Portugal em fora. Ainda não se adivinhava a invasão do «pronto a vestir» que veio alterar como um tsunami toda a geologia costeira e o cidadão, com mais ou menos posses, pagando a pronto («obra pronta, dinheiro na mão») ou a soluços, lá tinha que encomendar o fato novo ou o fato voltado. O sr. Faísca era um desses artífices, cotado artista, junto «museológicas» às «manas da Casa Paris» e do «Júlio da Varina», na banda por onde o meu amigo António Manuel hoje expande parte da sua metrópole. De quando em quando, no que era pródigo e fiel cumpridor, lá ia até à famosa Cervejaria Baía, onde hoje é a «Porta de São Pedro», no Largo que o foi do Bouzela e agora tem o nome do benemérito democrata Dr. João da Silva Nobre. Nestas idas e vindas do sr. Faísca, que até às tantas da noite, por entre o chupar da beata e o activar do ferro a carvão, dava sempre tagarela à malta estudante, haviam uns «amigos malandrotes» que lhe iam colocar, à porta da alfaiataria, um bocado de papelão com os dizeres; «O Faísca não está...foi ca.ar».  Tropelias de tempos idos...
                Mas queremos aproveitar esta memória para evocar a lembrança de muitos, honrados e também afamados artistas alfaiates, de que nos lembramos em Faro. Pelos lapsos cometidos e involuntários as nossas desculpas. Lembramo-nos de: Florival (irmão do João Silva, na Rua Pinheiro Chagas); Roque (no Terreiro do Bispo, onde esteve a Nortenha, que era mudo e irmão do médico pediatra Dr. Guerra Roque); Madeira (pai de um moço do nosso tempo, o Madeira, que era um grande pingueponguista); Pintassilgo (com ateliers em Faro - Rua Ferreira Neto e Loulé); Castro  (o José João, também de Loulé e um interventor comunitário); o Valentim (na Rua José Estevão, «Rua dos Ferreiros», que era das Pontes de Marchil e foi dirigente do Sporting Farense); o «Cádinho» e o pai, na Rua do Compromisso; o «Máximo de Sousa» (conhecido cantor farense) e os Carvalhos (um na Rua Infante D. Henrique, a cuja lápide em mármore com o nome Carvalho, nós os moços da «Rua da carreira» tapávamos o «v»...
           Já na transição para o «pronto a vestir» surgiram alfaiates em conhecidas casas de moda masculina, como aconteceu, entre outros, nos estabelecimentos dos conhecidos comerciantes srs. Rodrigues, Robués (Tabú), Lopes e Bernardino Pereira (Pigalle).

                                              JOÃO LEAL

Sem comentários: