quarta-feira, 5 de maio de 2021

CRÓNICA DE FARO JOÃO LEAL


           O MEU BAIRRO «HIROXIMIZADO» E «NAGASAQUISADO»

   

             Talvez algum superlativíssimo titular, motivado pelo exacerbado (reconheço) amor a este bocado de terra farense em que nasci, cresci e vivi até ao quarto de século. É ele o «Bairro da Ribeira» (Rebêra, como se dizia), onde se ergueu fruto do trabalho insano das laboriosas e motivadas gentes piscatórias há mais de quinhentos anos a então novel freguesia de São Pedro. Traço-lhe como fronteiras, nas latitudes e longitudes que os séculos confirmaram, ao sul a Ria Formosa e daí a Moagem e o Cercado da Armação do Atum, onde hoje se ergue o Ria Mar, o Posto da PVT (Polícia de Viação e Trânsito), o Refúgio, o Largo do Carmo (onde em Julho decorria a desaparecida Feira), o Jardim de São Pedro e as Ruas do Alportel, Ferreira Neto e 1º de Maio, que já o foi A e Oliveira Salazar, mas sempre na memória do povo de «Rua do Peixe Frito».

                 Faço, quando a mobilidade e as imposições o permitem, uma visita que considero de saudosa e evocativa peregrinação ao «MEU BAIRRO». Comigo, sem nunca me deixarem, vão lembranças e memórias que povoam, em permanente mensagem, o meu imaginário. Vai também nestas jornadas de memória, aquela malta irmã que partilhou em fraterna vivência a malta da Rua da Carreira (Rua Infante D. Henrique), do Largo da Madalena e outros (o Nita, o Zé Maria, o Rui, o Rocha, o meu tio António «Papinha» e outros que sabe-se lá onde estão!) 

                 Percorro, não sem contida emoção, especialmente quando o luar é meu parceiro na noite vagabunda, aquelas artérias únicas que o são na sua configuração urbana e social, o trio sulino - Ruas da Barqueta, da Cruz e do Forno a desaguarem na Rua da Parreira (Gil Eanes) e o trio norte - Ruas da Madalena (onde imperavam os «Larguitos» e o Jorge Cachaço e o mano «caçula), da Viola e Baptista Pinto (do tio «Pázinho»), a correrem para a Teófilo Braga.

                  Fechadas, de há muito o estão, as mercearias de bairro da Sra. Ermelinda, do «Zé da Avó» (brilhante defesa dos tempos primeiros do Farense) e do «Careca», onde ia comprar os cigarros «Definitivos» e «Provisórios» para o meu saudoso Pai.

                   Há dias ou, melhor, noite, tive a estranha sensação de «O Meu Bairro» ser outra Hiroshima ou Nagasaqui vítimas da terrível bomba atómica. Casas destruídas, outras destelhadas, ausência de gente viva, dos gritos das crianças e do entrelaçar de conversas entre vizinhos. Está mal este pedaço e chão farense onde senti-me viver e querer viver. Urge que o Município pense, em termos humanos, esta política de solos e de casas ao invés da prosseguida expansão das Lejanas, Penhas e quejandos. Para que Faro exista, para que Faro seja...

João Leal


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