domingo, 10 de janeiro de 2010


Impossível resistir ao impulso, depois de ler, de partilhar com todos os costeletas!
Onde seria que eu tomei conhecimento de uma história parecida com esta?
Vou tentar lembrar-me.
António Palmeiro

O SONHO DOS RATOS

( Nova velha fábula)


Era uma vez um “bando” de ratos que vivia num buraco do assoalho de uma casa velha.
Havia ratos de todos os tipos: - grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, do campo e da cidade. Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados num sonho comum.
- Um queijo enorme, amarelo, com um aroma delicioso, bem perto dos seus narizes.
Comer o queijo seria a suprema felicidade…
Bem perto é modo de dizer. Na verdade o queijo estava muito longe, porque entre ele e os ratos estava um gato…
O gato era malvado, tinha dentes afiados e nunca dormia. Por vezes fingia dormir.
Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para fora do buraco para que o gato desse um pulo e … era uma vez um ratinho!
Os ratos odiavam o gato. Quanto mais o odiavam mais irmãos se sentiam.
O ódio a um inimigo comum que os tornava cúmplices de um mesmo desejo: - queriam que o gato morresse ou sonhavam com um cão…
Como nada pudessem fazer, reuniram-se para conversar.
Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se sabe bem para quem) e chegaram mesmo a escrever livros com a critica filosófica dos gatos.
Diziam que um dia os gatos seriam abolidos e que todos seriam iguais “quando se estabelecer a ditadura dos ratos” diziam “então todos seremos felizes”…
- O queijo é grande e bastante para todos, dizia um.
- Socializaremos o queijo, dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam…
Nos seus sonhos comiam o queijo.
E, quanto mais comiam, mais ele crescia. Porque esta é uma das propriedades dos queijos sonhados; não diminuem, crescem sempre.
E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:
- “Ao queijo já!” …
Sem que ninguém pudesse explicar como, o facto é que, ao acordarem numa bela manhã, o gato tinha desaparecido.
O queijo continuava lá, mais belo do que nunca. Bastava dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam cuidadosamente em redor, aquilo podia ser uma armadilha do gato. Mas não era.
O gato tinha desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso, e dos ratos surgiu um brado retumbante de alegria.
Todos se lançaram ao queijo, irmanados numa fome comum. Foi então que a transformação aconteceu.
Bastou a primeira dentada.
Compreenderam, de repente, que os queijos de verdade são diferentes dos queijos sonhados;
Quando comidos, em vez de crescer diminuem.
Assim, quanto maior o número de ratos a comer o queijo, menor o naco para cada um.
Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se fossem inimigos.
Olhavam . cada um para a boca dos outros, para ver quanto do queijo tinham comido. E os olhares enfureceram-se, arreganharam os dentes, esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos.
A luta começou:
Os mais fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E acto contínuo, começaram a lutar entre si. Alguns ameaçaram mandar chamar o gato, alegando que só assim a ordem seria estabelecida.
O projecto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
“Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha sido abandonado pelo dono”.
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram condenados a ficar esperando …
Os ratinhos magros e fracos dentro do buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido.
O mais inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos fortes, agora donos do queijo, pareciam mesmo o gato, o olhar malvado, os dentes à mostra.
Os ratos magros não conseguiam perceber a diferença entre o gato de antes e os ratos de agora.
RATO = GATO
Os ratos fortes tornavam-se cada vez mais fortes. Diziam mentiras para enganar os outros ratos.
Os ratos fracos acreditavam nas mentiras por ignorância ou por medo. Por medo muitos ratos fracos defendiam os ratos fortes, na esperança de ganhar alguma migalha de queijo.
Os ratos fortes criaram impostos. Precisavam de dinheiro para poder ficar mais fortes e assim poder cuidar do resto do queijo.
Precisavam de mais impostos, porque só assim poderiam cuidar da saúde dos ratos mais fracos.
Todo rato que fica dono do queijo transforma-se em gato.
Não é por acaso que os nomes são tão parecidos.

Autor: Rubem Alves (escritor)

“Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos
fragmentos de futuro em que a alegria é servida como
sacramento, para que as crianças aprendam que o
mundo pode ser diferente. Que a escola,
ela mesma, seja um fragmento do
futuro…”

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