segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

GRANDES FIGURAS ALGARVIAS

De Alfredo Mingau

Aos 23 anos

FRANCISCO FERNANDES LOPES

Embora sendo médico, notabilizou-se sobretudo como musicólogo, musicógrafo, historiador, filósofo, etnógrafo, inventor, etc., etc. ...
Nasceu em Olhão, em 27 de Outubro de 1884, onde permaneceu até 1965, vivendo os últimos anos em Lisboa, onde viria a falecer em 6 de Junho de 1969, com 84 anos.
Foi sempre um aluno brilhante em Olhão (Escola Primária) e em Faro (Curso Liceal Geral). Em 1901 segue para Lisboa para continuar os seus estudos (no Algarve não havia nessa época mais que o curso liceal geral) e conhece no Liceu da Regaleira alguns estudantes que o iriam marcar e tornar-se figuras importantes: Pulido Valente, que dará o seu nome ao actual Hospital Pulido Valente e o irá convencer a cursar medicina, e o futuro dramaturgo Ramada Curto que o levará a assistir à sua primeira ópera.
Além destes amigos, Francisco Fernandes Lopes torna-se também conhecido e admirado por muitas outras figuras importantes do princípio do séc. XX português: os irmãos músicos Luís e Pedro de Freitas Branco, Castro Freire, Câmara Reis, Rui Coelho, Carlos Amaro, Carlos Olavo, Israel Anahory, Ivo Cruz, Almada Negreiros e Fernando Pessoa.
Para conhecer melhor esta fase adolescente da sua vida, assim como dos seus colegas ilustres, convido o leitor a ler um artigo da autoria do próprio Francisco Fernandes Lopes (clique aqui)
Licenciado com dezoito valores pela Faculdade de Medicina de Lisboa em 1911 , doutorou-se em 1916 com dezanove valores, com a tese Drogas e Farmacopeia, mas recusa os convites para leccionar nesta Faculdade e regressa à sua Vila.
No que diz respeito à enorme importância que Francisco Fernandes Lopes teve para Olhão, apenas poderemos dizer que ele pôs a sua vila de pescadores no mapa cultural, não só a nível nacional como até internacional. Através das suas actividades ele "vendeu" como até hoje mais ninguém conseguiu, a imagem da sua terra, nas décadas de 1920 a 1960, como se tratasse uma autêntica "secretaria de estado da cultura e turismo", apenas dedicada a Olhão. Vivia-se então um momento de prosperidade económica atendendo ao labor das pescas, navegação de cabotagem e, sobretudo, à indústria conserveira e, nesse sentido, Francisco Fernandes Lopes foi também o homem certo no momento certo.
Em 1924-28 organiza os seus "Serões Musicais", no Grémio Olhanense, onde executa dezenas de palestras, ilustradas por excertos musicais executados por um grupo ensaiado por ele próprio.
Estas palestras adquiririam grande notoriedade nacional, tendo trazido a Olhão nomes importantes da música como Luís de Freitas Branco (director artístico do Teatro de S. Carlos), Rui Coelho, Francine Benoit, e a musicóloga Ema Romero da Câmara Reis (esposa de Luís da Câmara Reis). Esta convida Francisco Fernandes Lopes para repetir algumas das suas palestras em Lisboa (integrado num ciclo de conferências chamado Divulgação Musical) e publica-as na sua obra "Seis anos de divulgação musical" (Lisboa, 1929-1930). Foi no âmbito deste convite que Francisco Fernandes Lopes fez ouvir em Portugal, pela primeira vez, em 25 de Janeiro de 1932, o Pierrot Lunaire, de Schoenberg.
Francisco Fernandes Lopes escreve ainda sobre música em vários jornais regionais, nacionais e em revistas francesas da especialidade, continua os seus "Serões Musicais" em Olhão (1929-30) e é convidado a participar em novas conferências musicais em Lisboa (1934) e em programas radiofónicos na Emissora Nacional , onde fica célebre uma sua palestra, pela polémica - "A evolução do Fado, da guitarra à sinfonia"(1935).
Francisco Fernandes Lopes também compõe a música de fundo para o Auto das Rosas de Santa Maria, escrito pelo poeta algarvio Cândido Guerreiro, que é executado em público pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional (maestro Pedro de Freitas Branco), em Sagres, no ano de 1940, no âmbito das Comemorações da Fundação da Nacionalidade.
Interessa-se também por História, sobretudo dos Descobrimentos, escrevendo vários artigos sobre a localização da Vila do Infante (que revela ser em Sagres e não no Cabo de S. Vicente), da vida de Cristóvão Colombo, dos irmãos Corte-Real, de Duarte Pacheco Pereira, dos castros e fortalezas portuguesas em África e, sobretudo, da vida do Infante D. Henrique, com a publicação em 1960 do livro "A Figura e a Obra do Infante D. Henrique", ao qual foi atribuído o único Prémio no Concurso das Comemorações Henriquinas desse ano.
No Algarve, sobretudo em Faro, foi professor em diversas escolas - Liceu Nacional João de Deus em Faro, a Escola Primária Superior de Faro (da qual foi director durante 7 anos) e a Universidade Popular do Algarve - e de diversas disciplinas totalmente diferentes, desde as línguas - dominava o castelhano, francês, alemão, italiano e russo -, até à Matemática, História e Ciências Naturais, Geografia e Desenho.
Não renegava a sua origem social pobre e analfabeta - o pai foi comerciante de peixe - e dizia frequentemente que precisava recuperar o que os seus antepassados não puderam aproveitar. Talvez por isso, quando se casou em Olhão com Raquel Pousão do Ó (sobrinha do pintor Henrique Pousão e prima do poeta João Lúcio), em 9 de Junho de 1915, não quis trajar o melhor fato e pôs sebo nos sapatos para estes não brilharem demasiado...
Foi pai de cinco filhas e um filho, aos quais deu nomes curiosos: Belkiss (nome da Ópera que musicou, retirado de um poema de Eugénio de Castro), Melusina, Raquel , Isis , Selma e o Francisco Lopes (júnior) - o Lopinhos - também médico.
O amor imenso pelo povo da sua terra, fizeram-no resistir sempre aos convites prestigiantes para leccionar nas Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra. Para ele, o "velhíssimo Reino do Algarve mais cantado" era "aquele que tem Olhão no centro" e "Olhão era um laboratório de sociologia permanente, viva, prática e aplicada, que vale sempre a pena e cada vez mais estudar, compreender e aprofundar, tão rica e surpreendente se nos apresenta".
Politicamente foi um republicano radical na sua juventude que, por vezes, se assumia como anarquista. Pertenceu ao corpo redactorial de uma revista mensal - a "Mocidade", publicada em Lisboa entre 1901 e 1905, que congregou jovens estudantes republicanos e libertários. Aquando da instauração da República em 1910, com 26 anos e enquanto terminava o seu curso de Medicina em Lisboa, advogava a instauração da Ditadura Republicana por um período temporário, de forma a ensinar os valores republicanos ao Povo e assim libertá-lo do jugo cultural dos caciques monárquicos da província.

Muito, mas mesmo muito, poderíamos acrescentar à biografia e obra de Francisco Fernandes Lopes. Mas cremos ser o suficiente para darmos a conhecer esta grande Figura Algarvia.

Recebido e colocado por RC

1 comentário:

Anónimo disse...

BOM TEXTO,

Gostei muito.

Porque fiquei a saber mais coisas acerca dessa grande figura da cultura olhanense,do qual já conhecia algumma coisa.

Publicar este texto é um acto de justiça.

Dele disse Almada Negreiros: o senhor está sentado na fila da frente, onde estão os melhores e o lugar do meio é o seu (mais ou menos isto), referindo-se à sua grande capacidade intelectual e moral.

Constitui, em minha opinião, juntamente com Maria de Olhão, Diamantino Piloto,Alberto Iria, João Lúcio, Antero Nobre, Aníbal Nobre e se calhar outros, o grande núcleo de intelectuais olhanenses que aqui saúdo.

E deixo os meus parabens ao autor do texto.

Paraa todos, um abraço do
João Brito Sousa