segunda-feira, 18 de outubro de 2010

PONTO DE ENCONTRO

O PARTO, A PRÓSTATA E A VINGANÇA


Ela com 19 anos e eu com 20 anos de idade. Lua-de-mel, viagens, prestações da casa própria e o primeiro bebé, tudo uma beleza.
Anos oitenta a moda na época era ter uma máquina de filmar do Paraguai. Sempre tinha ou tem um vizinho, ou mesmo um amigo contrabandista disposto a trazer aquela muambinha por um precinho muito bom!
Hora do parto ela tinha muita vergonha, mas eu teimoso, desejava muito eternizar aquele momento. Invadi a sala de parto com a câmera ao ombro e chorei enquanto filmava o parto do meu primeiro filho. Todo o mundo que chegava lá em casa era obrigado a assistir ao filme.
Perdi a conta de quantas cópias eu fiz do parto e distribuí entre amigos, parentes e parentes dos amigos. Meu filho e minha esposa eram os meus, orgulho e tesouro
Três anos se passaram aí nova gravidez, novo parto, nova filmagem, nova crise de choro, tudo como antes. Como ela “categoricamente” me disse que não queria que eu a filmasse dessa vez, sem ela esperar invadi a sala de parto e mais uma vez com a camêra ao ombro repeti o mesmo ritual.
As pessoa que me conhecem sabem que em mim havia naquele momento apenas o amor de pai e marido apaixonado nesse ato. O fato de fazer diversas cópias da fita era apenas uma demonstração do meu orgulho.
Nada que se comparasse ao fato de ela, essa semana num instinto de vingança, invadisse a sala do meu urologista, com a câmera ao ombro, filmando o meu exame de próstata. Eu lá, com as pernas naquelas malditas perneiras, o cara com um dedo (ele jura que era só um!) quase na minha garganta e a minha mulher gritando:
- Ah! Doutoooor! Que maravilha! Vou fazer duas mil cópias dessa fita! Semana que vem estou enviando uma para o senhor!
Meus olhos saindo das órbitas fuzilaram aquela cachorra, mas a dor era tanta que não conseguia nem falar. O miserável do médico, pra se exibir, girou o dedão! Ah, eu na hora vi o teto a dois centímetros do meu nariz.
E a minha mulher continuou a gritar, como se fosse um diretor de cinema:
- Isso, doutor! Agora gire de novo, mais devagar dessa vez. Vou dar um close agora…
Na hora alcancei um sapato no chão e joguei na maldita.
Agora estou escrevendo este e-mail pedindo aos amigos, parentes e outros mais que receberam uma cópia do filme, que o enviem de volta para mim. Eu pago o reembolso.

(Luiz Fernando Veríssimo)
Sempre o humor deste grande autor brasileiro (filho do também grande escritor, Erico Veríssimo)

Enviado por: Ferreira Borges

1 comentário:

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Meu caro amigo Borges
Esta encheu-me as medidas.
Creio que este género é o que precisamos para que, enquanto lemos,não sofrermos com a lembrança do outro género "OE".
Venham mais "Pontos de Encontro"
Rogério Coelho