sexta-feira, 16 de maio de 2014

LITERATURA D'OUTROS TEMPOS



CAFÉ E JORNAL


N
a minha rua não há café da esquina mas, na rua de baixo paralela à minha, existe um pequeno café/pastelaria, que nunca frequentei.

Resolvi seguir o exemplo do meu amigo Mauricio, que não me leve a mal…, que frequenta o café da sua rua e aproveita para ler o jornal da casa.

Acompanhado de minha mulher, que gosta de tomar a “bica” todos os dias de manhã, entrámos e sentámo-nos.

- Um café, se faz favor – disse a minha mulher.

- E para o senhor? Perguntou-me a empregada.

- Deixe-me ver – respondi olhando para a empregada, que sorriu docemente, de um modo quase infantil, “Não se importa que eu peça uma coisa diferente?”

- Claro que não, diga à vontade.

- Não estou a pensar em nenhuma iguaria especial.

- Ouve cá – disse a minha mulher, em voz baixa, inclinando-se para mim. “Se não te consegues comportar vou-me embora”.

- Olha querida, respondi no mesmo tom, “pediste um café. Deixa que eu também mande vir o que me apetece”. E para a empregada:

- Queria, para já, o jornal da casa.

- Não temos, não costumamos comprar.


- Bem, então o meu problema é que não me lembro, de repente, do nome daquilo que queria pedir. É assim um líquido escuro…

- É uma bebida alcoólica?

- Não! Não. Se bem me lembro trouxeram-me numa chávena de vidro. E também me lembro que estava bastante quente.

- Receio que não tenhamos.

- Nem posso acreditar, respondi. “Não será possível perguntar aquela sua camarada que está no balcão?”

- Sim, com certeza, disse a menina, e foi ao balcão à pressa.
- Estou a ficar farta do teu comportamento, disse a minha mulher irritada, ela não gosta de dar nas vistas. “Se não acabas com isso vou para casa”.

A empregada aproximou-se sorrindo:

- A dona do café pergunta se a bebida era castanho-clara?

- Não, menina. Era quase preta.

- E onde costuma tomar essa bebida?

- Em qualquer café, na baixa da cidade.

- Já receava – riu-se – São cafés de luxo e nós somos um café de segunda classe.

- Espere aí!, disse eu. “Agora me lembro que com a chávena vinha uma colher pequena. E mais uma coisa. No pires, uns pequenos cubos brancos”.

- Cubos? Olhou a empregada para mim, e desatou a rir. “Há cinco anos que estou cá, nunca houve um pedido assim, cubos! Riu-se novamente.

- Não podia perguntar à dona do café?, perguntei.

A empregada foi, mas à entrada do balcão olhou para trás, pôs a mão na boca e sorriu.

- Só ficas contente quando as pessoas se ocupam de ti?, perguntou-me a minha mulher furiosa.

- Nem pensar, querida. Nem assim fico contente.

- Era melhor dares conta do que estás a fazer, retorquiu.

A empregada voltou com a “bica” para a minha mulher. Atrás dela vinha a dona do café. Caveirosa, de óculos, com um livro de um autor desconhecido na mão. Não consegui ver o título.

- Estou a ver o problema. Disse ela com delicadeza.

- Mas, por favor, não faça caso do assunto respondi.

- Nós gostamos de satisfazer os nossos clientes. De que tipo eram os cubos?

- Se bem me lembro, eram brancos e de tamanho pequeno, respondi.

As duas entreolharam-se. A jovem empregada, que agora não se atreveu a rir, só casquinou baixinho. A dona do café, por seu lado, continuava séria. E respondeu

- É muito aborrecido, mas o que posso fazer? – Não temos cubos de nenhum tipo.

- Não é assim tão importante, respondi.

- E também não conheço o líquido de que fala, acrescentou a dona do café.

- Deixe lá. E fiz um gesto de desistir com a mão. E acrescentei:

- E traga-me também um café em chávena de vidro.

E foi assim a primeira vez que entrei, para tomar a bica e ler o jornal à borla, no café da rua de baixo, sem jornal. E sai, para comprar o jornal na tabacaria da esquina.
Tenho que ir morar para o Estoril para frequentar o Café/Pastelaria do Mauricio…

Rogério
Uma história de ficção. Qualquer semelhança com locais e pessoas é mera coincidência





2 comentários:

Maurício S.Domingues disse...

Sorte minha Rogério !
Normalmente vou só para evitar os
desabafos da mulher, também crítica
do comportamento atencioso que por
vezes tenho com uma cara laroca !!

Aparece por cá, há sempre uma mesa cativa para o teu amigo, e poderás ler o jornal de ponta a ponta todos os dias.
Um abraço do Maurício

Associação Antigos Alunos Escola Tomás Cabreira disse...

Pois!
Estás a 5 minutos de casa até ao café.
E eu para ir aí ler o jornal levaria cerca de 4 horas de comboio...
Já não tenho idade para essa coisas.
Rogério