domingo, 21 de novembro de 2010

OUTROS AUTORES

Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, 16 de Março de 1825 -- São Miguel de Seide, 1 de Junho de 1890) foi um escritor português. Camilo foi romancista português, além de cronista, crítico, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor.

Teve uma vida atribulada que lhe serviu muitas vezes de inspiração para as suas novelas. Foi o primeiro escritor de língua portuguesa a viver exclusivamente dos seus escritos literários. Apesar de ter de escrever para um público, sujeitando-se assim aos ditames da moda, conseguiu ter uma escrita muito original.

Novelas do Minho é o título dado por Camilo Castelo Branco a um conjunto de oito novelas suas, influenciadas pela escola realista.
Como o título indica, as novelas situam-se na sua quase totalidade no Minho (norte de Portugal).

As novelas, com uma única edição em vida do autor, foram publicadas em doze volumes pela Livraria Editora Matos Moreira & Cia., entre 1875 e 1877. Os doze volumes foram assim arranjados:

o Gracejos que matam (Volume I, 1875)
o O comendador (Volume II, 1876)
o O cego de Landim (Volume III, 1876)
o A morgada de Romariz (Volume IV, 1876)
o O filho natural (Volumes V e VI, 1876)
o Maria Moisés (Volume VII em 1876 e Volume VIII em 1877)
o O degredado (Volume IX, 1877)
o A viúva do enforcado (Volumes X, XI e XII, 1877)
O CEGO DE LANDIM
Narra a vida de António José Pinto Monteiro, conhecido como o cego de Landim, um ladrão e vigarista que faz fortuna no Brasil, aliado a um rapaz que lhe que serve de apoio depois de ele ter perdido a vista, e a um polícia corrupto.

Foi ha treze annos, em uma tarde calmosa de agosto, neste mesmo escriptorio, e n'aquelle canapé, que o cego de Landim esteve sentado. São inolvidaveis as feições do homem. Tinha cincoenta e cinco annos, rijos como raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Resumbrava-lhe no semblante anafado a paz e a saude da consciencia. Tinha as espaduas largas: cabia-lhe muito ar no peito; coração e pulmões aviventavam-se na amplidão da pleura elastica. Envidraçava as pupilas alvacentas com vidros esfumados, postos em grandes aros de ouro. Trajava de preto, a sobrecasaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas amarrotadas e apoiava a direita no castão de prata de uma bengala.
Eu não o conhecia quando me deram um bilhete de visita com este nome - ANTONIO JOSÉ PINTO MONTEIRO.
Em S. Miguel de Seide, uma visita, que se fizesse preceder do seu cartão, era a primeira.
- Quem é? - perguntei ao creado.
- É o cego de Landim.
- E esse cego quem é?
O interrogado, para me esclarecer superabundantemente, respondeu que era o CEGO, como se se tratasse de um cego por excellencia e de historica publicidade: Tobias, Homero, Milton, etc.
Mandei que o conduzissem ao meu escriptorio. Ouvi passos que subiam rapidos e seguros uns doze degráos: e, no patamar da escada, esta pergunta muito sacudida:
- Á esquerda ou á direita?
- Á esquerda - respondi, e fui recebel-o á entrada.
Estendeu-me firme dois dedos, e desfechou-me logo em estylo de presidente de camara municipal sertaneja ás pessoas reaes, uma allocução á minha immortalidade de romancista, lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estatua... equestre; parece-me que elle não disse estatua equestre. Achei-lhe rasão. Eu tambem já tinha lamentado aquillo mesmo; porém, cumpria-me regeitar modestamente a estatua, como o duque de Coimbra, agradecendo a virginal lembrança do sr. Pinto Monteiro.
- Tenho ouvido ler os seus livros immortaes - disse elle - Não os leio porque sou cego.
- Completamente? - perguntei, parecendo-me incompossivel a cegueira absoluta com a segurança da sua agilidade nos movimentos.
- Completamente cego, ha trinta e trez annos. Na flôr da idade, quando saudava as flôres da minha vigesima segunda primavera, ceguei.
- E resignou-se...
- Se me resignei!... Morri de dôr, e resuscitei em trevas eternas... O sol, nunca mais!
Pungia-me a compaixão. Disse-lhe consolações banaes; citei os mais luminosos cegos antigos e recentes. Nomeei-lhe o principe da lyra peninsular, Castilho, e elle atalhou:
- Castilho tem o genio que vê as coisas da terra e do ceu. Eu tenho as duas cegueiras do corpo e da alma.
Achei-o eloquentemente sobrio e áttico; figurou-se-me até litterato dos bons. Lembrei-me se elle vinha convidar-me para fundarmos um jornal em Landim, ou se viria pedir-me para o propôr socio correspondente da academia real das sciencias.
Discretiamos de parte a parte em variados assumptos, até que elle explicou as suas pretenções. Tinha um litigio pendente sobre a posse disputada de umas azenhas que lhe haviam custado tres contos de réis, e pedia a minha valiosa preponderancia afim de que os juizes de segunda instancia lhe fizessem justiça inteira.
Observei-lhe que a minha influencia poderia ser-lhe necessaria, se a justiça estivesse da parte do seu contendor; por quanto, quem não tem justiça é que pede.
- Apoiado! - interrompeu elle - A razão diz isso; mas acontece que o meu contendor pede porque não tem justiça; ora não vão os juizes cuidar que eu tenho mais confiança na lei do que n'elles...
Pareceu me sagaz, argucioso e um pouco germanico o cego.
Deu-me quatro memoriaes, accendeu o terceiro charuto, e ergueu-se. Acompanhei-o até ao portão, e vi-o cavalgar com garbo quasi marialva uma vistosa egua, passar as redeas falsas pelas outras com destreza, esporear e partir sósinho.

***
Ora, o cego perdeu a demanda das asenhas por que as asenhas não eram perfeitamente d'elle, e eu não podia pedir aos desembargadores que as tirassem ao dono e m'as dessem a mim para eu as dar ao cego.
Nunca mais o vi. Retirou-me a admiração e mais a estatua. E, cinco annos depois, morreu.

Enviado por João Brito de Sousa


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