sábado, 12 de outubro de 2019

CRÓNICA DE FARO de João Leal


“Mãe Coragem”

      Quando, festiva e merecidamente, completou o centenário (3 janeiro 2013), marco significativo e referenciável de uma longa dinâmica vida sempre ocorrida em testemunhar os valores cívicos e morais maiores, chamei-lhe, com toda a probidade e sem que o grande afecto que nos unia, provocasse indevidos louvores, de “Mãe Coragem”. Lembrei-me então da peça do mesmo nome, da autoria do dramaturgo Bertold Brecht, na memorável encenação dessa grande senhora do teatro português, Eunice Munhoz.
      É que a ora falecida, em Faro, de que era uma das mais antigas habitantes, Almerinda Guerreiro de Brito, foi-o sempre uma outra “Mãe Coragem”, lutando com garra, empenho, dignidade e um comprovado heroísmo, no seu anonimato, uma irmã gémea da principal figura brechtiana, como assumiu ao longo de tantas e tantas décadas.
      Nascida no bucolismo desse Algarve verdadeiro, que são as “Hortas” dos Vilarinhos, nos arredores do honrado concelho de São Brás de Alportel, facto que com muito orgulho e uma veneração indelével sempre o referia a “Mãe Almerinda”, tempo volvido do casamento, que o foi de uma vida, com o alentejano, saudoso, benquisto e trabalhador “Tio Pepe”, tão repentinamente desaparecido do nosso convívio, radicou-se na capital sulina, nesse bairro do Alto Rodes, outrora uma periferia citadina, que era residência de quantos procuravam a cidade em busca de um amanhã melhor para si e para os seus.
      E conseguiu-o com aquela determinação, empenho e espírito de sacrifício, quantos e quantos o realizaram ao longo da vivência matrimonial, legando “urbi et orbi”, que o mesmo é dizer “à cidade e ao mundo” uma trilogia de filhos, que são referência comunitária.
      O Henrique (presidente do Rotary Clube de Faro, com serviço permanente à Humanidade – “quem não vive não serve para viver”), o António (conceituado mestre da arte de mecânica auto e hoje cotado empresário do ramo automóvel no Canadá, onde se encontra há muitos anos) e o mais jovem, o Daniel, todos de sobrenomes Brito Figueira (uma referência respeitosa e respeitável), que foi conceituado funcionário da TAP Air Portugal e é um dedicado colaborador da Misericórdia de Faro, são a imagem remanescente deste casal, cuja matriarca, a “Mãe Almerinda”, a proveta idade de 101 anos deixou na saudosa lembrança de uma das amizades maiores e das mais assinaladas referências da nossa vida!
      “Minha aldeia voltei…” lá estava no mausoléu do poeta sambrazense Bernardo de Passos, no Cemitério de São Brás de Alportel, onde foi exumada a frase a aguardar esta “Mãe Coragem”, nascida há mais de um século ali bem perto, nas Hortas doa Vilarinhos e retornada à terra natal. Na nossa sempre saudosa lembrança o exemplo maior desta algarvia “Mãe Coragem”!
João Leal

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